As eleições primárias democratas terminaram com a desistência de Bernie Sanders a favor de Joe Biden. Biden contra Trump será um embate que nos parece distante e pouco relevante considerando o cenário quase distópico que se instalou a nível mundial. A crise sanitária provavelmente não estará resolvida brevemente e de seguida virá uma crise económica só comparável à crise de 1929. Nas últimas semanas mais de 20 milhões de americanos declararam-se desempregados.

Independentemente disso, as eleições presidenciais norte-americanas vão acontecer brevemente, uma vez que constitucionalmente Trump deixará de ser presidente em janeiro de 2021, e até essa data terá de ser definido quem será o próximo presidente. Esta eleição terá implicações importantes na forma como o mundo lidará com a crise económica que se está a instalar. Será uma América fechada em si, ou uma América que tentará criar pontes para resolver a crise mundial que se avizinha? Esta é uma de muitas importantes diferenças entre Trump e Biden que terá importantes repercussões à escala mundial.

Curiosamente, a questão do próximo presidente americano deu um importante passo a 7 de abril de 2020. Donald Trump poderá ter perdido Wisconsin para Joe Biden, ironicamente não em consequência de uma decisão sua, mas sim de uma decisão do Partido Republicano. As imagens de centenas de pessoas com máscaras de proteção a votar correu o mundo, servindo de exemplo de como não atuar durante uma pandemia.

Eleitores em Milwaukee no dia 7 de Abril.

No dia 7 de abril estavam programadas eleições primárias em diversos estados norte-americanos. Tendo em conta o panorama de saúde pública mundial, todos os estados adiaram essas votações exceto o Wisconsin, um pequeno estado com quase 6 milhões de pessoas, localizado perto dos grandes lagos americanos. Depois de hesitar inicialmente, o governador democrata de Wisconsin tentou adiar a eleição, tendo sido impedido de proceder pelos representantes republicanos, que controlam o parlamento estadual, e que se opuseram às ações tardias do governador. Para decidir o adiamento da eleição programada, tanto o Supremo Tribunal Estadual como o Supremo Trubunal dos EUA tiveram de se pronunciar apressadamente. Como ambos os tribunais são controlados por juízes nomeados pelos republicanos, a decisão de manter a eleição foi reiterada, tendo-se prosseguido com a eleição de acordo com a programação inicial.

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Os eleitores de Wisconsin viram-se colocados numa situação difícil. Ficar em casa como aconselhado por todas as entidades federais, incluindo o próprio presidente Trump, ou cumprir o seu dever cívico de votar. A maior cidade de Wisconsin é Milwaukee, com cerca de 600 mil habitantes, tendo habitualmente 180 secções de voto. Devido à escassez de equipas para as mesas de voto, apenas 5 secções de voto foram abertas em Milwaukee, reduzindo grandemente o número de votos na cidade. Como a força eleitoral dos democratas reside nas grandes cidades, era expectável que esta votação, com as suas associadas limitações, viesse a beneficiar significativamente os republicanos.

Os republicanos quiseram manter a data de 7 de Abril possivelmente por inferirem que seriam beneficiados com uma maior abstenção. Além das eleições primárias estavam em questão as eleições locais para diversos cargos estaduais, incluindo a eleição de um juiz para o Supremo Tribunal Estadual, cargos os republicanos aspiravam ganhar.

Apesar desta confusão eleitoral aparentemente beneficiar o Partido Republicano nesta eleição local, muito provavelmente terá consequências na reeleição de Trump. Nas eleições de 2016, Trump ganhou Wisconsin por 22.748 votos, uma diferença de 0,77% entre Trump e Clinton. Wisconsin foi um dos estados do “Rust Belt” que transitaram de democrata para republicano em 2016 e deram a vitória a Trump. Analisando a taxa de aprovação de Trump do site FiveThirtyEight, podemos inferir que a chave para a vitória das eleições presidenciais poderá residir neste estado.

Apesar da taxa de aprovação de Trump ser negativa a nível nacional, o sistema de círculo eleitoral por estado das presidências americanas permite que o vencedor ganhe as eleições com menos votos, como aconteceu em 2016, quando Trump teve quase menos 3 milhões de votos que Clinton e ainda assim ganhou as eleições. O que se torna então relevante é analisar quais os estados que os democratas poderão ganhar que são atualmente republicanos, e Wisconsin é um desses estados.

O Partido Republicano ao obrigar os eleitores de Wisconsin a escolherem entre a sua segurança e as eleições locais para benefício político do partido, criou inadvertidamente um sentimento de indignação e revolta entre muitos eleitores. Num estado tão dividido como Wisconsin, esta revolta irá provavelmente transferir votos para os democratas, significando a vitória do Partido Democrata em Wisconsin nas eleições presidenciais. Esta jogada política poderá por isso ter custado a reeleição da Trump.

Quem semeia ventos colhe tempestades.