1 Foi a melhor notícia para o PSD nos últimos anos. Não rivaliza com uma vitória eleitoral mas é claramente um caminho para tal: Rui Rio anunciou a sua reforma política. Sendo obviamente uma pena que não se tenha reformado antecipadamente há mais tempo, poupando o partido (e os eleitores) a uma liderança manifestamente incompetente, antiquada e fora do que o país necessita, saúda-se o discernimento de Rio de perceber (finalmente) que o seu tempo político acabou.
É verdade que o PSD já teve líderes nas sua história quase tão incompetentes como Rio — dos quais destaco Pedro Santana Lopes e Luís Filipe Menezes.
Mas nenhum tinha chegado tão longe numa deriva autocrática que nada tem a ver com o património democrático e humanista do partido, nenhum perdeu tantas eleições (Legislativas de 2019 e 2021 com resultados abaixo dos 30%, Europeias de 2019 e Autárquicas de 2021), nenhum falhou tanto (teve dois dos cinco piores resultados de sempre do PSD) e, mais do que tudo, nenhum fez uma oposição tão fraca a um Governo socialista.
Não tenho dúvidas: Rui Rio foi o pior líder do PSD desde 1974.
2 E é precisamente esse o primeiro desafio de Luís Montenegro: virar definitivamente a página negra que a liderança de Rio representa na história do partido. E para tal tem de redefinir o sentido da existência do PSD, respondendo a perguntas que cada vez mais eleitores do centro direita fazem:
- O PSD ainda é útil e necessário à democracia portuguesa?
- Que ideias defende e em que medida é que as mesmas são diferentes dos seus concorrentes à esquerda (o PS) e à direita (a Iniciativa Liberal e o Chega)?
Como já defendi aqui, no rescaldo das legislativas antecipadas de janeiro, a redefinição do PSD não é uma tarefa fácil mas a mesma será um imperativo para Montenegro. Porque é desse reposicionamento que dependem o sucesso das respostas às perguntas acima referidas.
Desde logo, o projeto do PSD tem de rejeitar qualquer ambiguidade e afirmar a sua posição de liderança do seu espaço político natural (o centro-direita). Com a clareza virão as ideias, que terão de ser claramente diferenciadoras face à concorrência direta mais à esquerda (o PS) e mais à direita (IL e Chega).
O reformismo sempre foi a marca do PSD — e essa é, mais do que nunca, uma característica diferenciadora face ao conservadorismo do PS, que nada quer mudar. Ora um projeto reformista do PSD, tem de ter mensagens e metas claras. Como por exemplo:
- Alcançar a média do poder de compra da União Europeia em 10/15 anos;
- Apostar no crescimento económico sustentável assente no setor privado — e não no Estado;
- Construir um Estado ao serviço dos cidadãos e das empresas;
- Reformar o Estado Social, providenciando o acesso universal à educação e à saúde e a outros direitos fundamentais com o envolvimento conjunto do setor público com o privado;
- Assegurar um sistema de Segurança Social viável que respeite a solidariedade inter-geracional;
- Recusar qualquer tipo de autoritarismo, respeitando princípios estruturantes da democracia representativa: a separação de poderes entre os poderes Executivo, Legislativo e Judicial, a independência do Poder Judicial e a liberdade de expressão e de imprensa;
O projeto reformista Luís Montenegro terá igualmente de olhar com particular atenção para três grupos eleitorais que o partido perdeu claramente nos últimos anos: os pensionistas (que foram afetados pelos cortes do tempo da troika), os mais de 700 mil funcionários públicos (que são um verdadeiro bloqueio para uma vitória eleitoral) e os jovens (que o PSD perdeu para a Iniciativa Liberal).
Sem recuperar a influência que já teve nestes três grupos eleitorais, o PSD não regressará tão cedo ao poder.
3 O contexto económico dos próximos anos é ao mesmo tempo um desafio e uma oportunidade para o PSD. Um desafio porque o Governo vai ter à sua disposição de mais de 16,6 mil milhões de euros à sua disposição por via do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) — valor que poderá subir para um máximo de 20,5 mil milhões de euros por via de acréscimo de dotação ou do recurso adicional a empréstimos.
Mas também uma oportunidade porque o Governo de António Costa decidiu apostar quase todas as fichas do investimento no setor público — uma decisão estratégica errada que o PSD pode e deve explorar. Além, claro, das dificuldades económicas que existem no horizonte a curto prazo: a subida da inflação e das taxas de juros e a instabilidade política e económica que advém da Guerra da Ucrânia.
Para tal, contudo, o PSD terá de ser uma oposição intensa e escrutinadora, como o PS costuma ser quando os papéis se invertem. Profissionalismo, trabalho intenso e bons canais de comunicação com os media — essa é a receita habitual dos socialistas que os social-democratas não podem ignorar.
E para ser uma oposição que enobreça o respetivo papel fundamental numa democracia representativa, o PSD terá de focar-se no escrutínio do PRR. Não é só na taxa de execução. É também nos eventuais abusos de poder e mau uso dos fundos que venham a acontecer e que poderão partir do Governo ou do partido que tem a maioria absoluta no Parlamento.
4 As questões práticas de curto prazo também são importantes — e também têm os seus desafios. É fundamental reunir o partido, mostrando abertura e diálogo com todos os setores do PSD — coisa que Rio, por defeito da sua personalidade política, nunca conseguiu nem conseguiria.
Para começar, e além dos habituais sinais de listas conjuntas no Congresso de Julho para os órgãos internos do partido, Montenegro deve convidar Jorge Moreira da Silva ou seus apoiantes para colaborar de forma ativa com a sua direção. A sua vitória esmagadora (a maior desde que há eleições internas) não deve ser um obstáculo a essa unidade — o mesmo se aplicando às declarações de Moreira da Silva após a derrota.
Luís Montenegro já mostrou bons sinais ao convidar Joaquim Miranda Sarmento (um homem que apoiou Rui Rio desde a primeira hora) para a sua equipa de candidatura. Além de todo o seu saber e credibilidade como economista (um dos principais da sua geração), Miranda Sarmento será uma figura importante para dar solidez às propostas económicas e financeiras de Montenegro.
Há outras pessoas da direção de Rui Rio em quem vale a pena continuar a apostar. André Coelho Lima é um deles. Apesar de estar definitivamente do lado errado, Coelho Lima mostrou capacidade de luta e, mais do que tudo, demonstrou que sabe estar na política com uma atitude serena e pragmática.
Atenção: a ideia da unidade, contudo, não é uma ideia absoluta. A construção de um novo PSD também passa pela recusa do projeto autoritário de Rui Rio e de algumas figuras que eram o espelho desse projeto, como a deputada Mónica Quintela e o seu marido Rui Silva Leal. Além da questão do nepotismo (Rui Rio indicou o marido da sua porta-voz para a Justiça para a lista que o Parlamento elegeu para o Conselho Superior do Ministério Público) e inaptidão política (este vídeo sobre os tempos da troika será atirado à cara do PSD durante longos anos), Quintela desrespeitou todo o património histórico que o PSD tem a favor da independência do poder judicial por via de figuras como Barbosa de Melo, Fernando Nogueira, Laborinho Lúcio e Paula Teixeira da Cruz.
5 Resta um clássico dos novos líderes do principal partido da oposição (PS ou PSD são iguais nesse ponto) quando não fizeram as listas para as legislativas e não têm assento na Assembleia da República: a relação com a bancada parlamentar.
Pior: não consta que a relação entre Luís Montenegro e o líder parlamentar Paulo Mota Pinto seja propriamente a melhor.
É preciso começar por dizer que, independentemente dos seus méritos jurídicos (que são indiscutíveis, como se viu recentemente na rapidez e acerto do projeto de lei dos metadados apresentado pelo PSD), Paulo Mota Pinto não tem propriamente o melhor perfil para ser uma das caras de um novo PSD. A sua postura e linguagem política é claramente muito conotada com Rui Rio e Manuela Ferreira Leite.
Acresce que a sua visão do que deve ser um partido da oposição está muito mais próxima do ‘colaboracionismo ativo’ de Rui Rio do que da visão de escrutínio intenso de Luís Montenegro.
Portanto, resta saber se Paulo Mota Pinto (que se manteve em silêncio até ao momento) sairá pelo seu próprio pé. Apesar de ter sido eleito por 90% dos votos da bancada, a reforma de política de Rui Rio conduzirá inevitavelmente a uma rearrumação das esferas de influência na bancada parlamentar, sendo provável que Montenegro consiga ter do seu lado a maioria da bancada parlamentar.
Até porque, é preciso dizê-lo, os portugueses já não têm a mínima pachorra para as lutas internas do PSD.
A questão é tão simples como esta: ou o PSD atina e faz o que lhe compete como principal partido da oposição, tornando-se novamente útil e relevante, ou a sua decadência será definitiva.
Texto corrigido às 11h19m
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