Não há por estes dias valentão ou -tona que não ache que está a ser politicamente incorrecto e por isso meritório naquilo que diz em público. A quase totalidade das pessoas que fala em público orgulha-se de dizer coisas com que o público não concorda; e o público que as ouve orgulha-se de concordar com quem não concorda com ele.
No público espanta a docilidade de quem vê as suas convicções mais íntimas insultadas; e nos insultantes nunca lhes ocorrer não serem caso isolado. As duas situações fazem sorrir, embora não se perceba muito bem quem tenha melhor motivo para o fazer; desde logo porque ao público nunca acontece imaginar que possa estar a ser insultado; e aos insultantes nunca acontece perceber que a sua valentia oral se tornou um modo de vida muito partilhado.
Os que acham que são incorrectos naquilo que dizem imaginam-se em geral cruzados contra a estupidez humana universal e o preconceito. Estimula-os a fantasia secreta de um estado policial que os persegue com denodo; mas naturalmente o estado tem mais que fazer; e eles no fundo sabem que não têm grande coisa a temer. Dizer a verdade ao poder é uma actividade plácida, como a dos bobos e a das videntes. Não obstante, é assim que a maioria das pessoas se acha membro de uma minoria de mártires mentais e se satisfaz com a ideia de que sempre que abre a boca se está a sacrificar pela maioria no altar das enormidades que diz e pensa.
Não existe porém nenhuma minoria, visto que a ninguém ocorre admitir que o que diz ou pensa irá ser alguma vez examinado por alguém; ou que as suas afirmações serão tratadas como afirmações. A concordância com terceiros mostra-se antes no modo como unanimemente se declara que as convicções de terceiros nos são completamente indiferentes e as nossas opiniões são completamente únicas. Estas unanimidades são conhecidas: existem a respeito da inteligência, da beleza e do conhecimento. A marca infalível do estúpido é achar que é inteligente; e a marca infalível do muito estúpido é achar que faz parte de uma reduzida minoria de pessoas inteligentes.
Surpreende em particular que os alvos da incorrecção dos diversos valentões concordem quase sempre com as enormidades de quem os insulta, e se confessem também mártires mentais ao serviço da incorrecção. Porque naturalmente os alvos também se imaginam minorias; e assim participam na ideia maioritária de que a enormidade é o modo normal de lidar com as outras pessoas. Não será o caso de apreciarem a maneira como as suas convicções são escarnecidas: é antes o caso de no fundo não acharem que as suas convicções podem ser objecto de escárnio. As suas convicções, como as dos insultantes, são uma mera coisa mental; são por isso à prova de enormidades.