Depois de aprovado mais um plano de ajuda de emergência assim que o novo Presidente tomou posse, o enorme plano de investimento de Joe Biden discute-se, aprova-se e chegará ao terreno quando a economia americana já está a recuperar graças ao pacote de Trump, à rápida vacinação e à flexibilidade da economia dos Estados Unidos. E, também, claro, às notícias deste investimento. O financiamento europeu, enorme para o que estamos habituados, modesto se comparado com o dos Estados Unidos, chegará à economia lá mais para o verão, antes da economia estar a recuperar. Mas também não é exactamente para isso que foi pensado.
As diferenças na rapidez da resposta americana e europeia são óbvias e são, em parte, fruto da diferente natureza das entidades envolvidas. Discutir este tema é interessante, mas há outro que esse ângulo esconde: a ideia de um plano para transformar a economia e a ascensão de uma perspectiva estatista. À esquerda e, em parte, também à direita.
A bazuca europeia, como o nosso primeiro ministro baptizou todo o plano de recuperação e resiliência europeu, incluindo o NextGeneration EU onde está o dinheiro, não foi desenhada para responder à emergência ou sequer à crise económica. Para isso têm sido usados outros instrumentos europeus, que implicam dívida, e os orçamentos nacionais, que também implicam. Daí a diferença entre o que alemães, italianos, portugueses ou finlandeses quiseram e puderam fazer.
Da mesma maneira, os primeiros biliões de Trump serviram de resposta de emergência, mas os próximos de Biden (tal com Trump também defendeu) são para investimento público em infraestruturas e quejandos. Um e outro fariam investimentos diferentes, é certo, mas a ideia é a mesma. Com uma adenda. Biden quer, tal como a União Europeia, que esse dinheiro sirva para transformar a economia, tornando-a mais verde, sobretudo.
Do lado de lá, o Buy American de Biden, por mais que se diga que é diferente, soa aos Buy American e ao America First de Trump. Na Europa, diz-se o mesmo de outra maneira. Diz-se que as muitas cadeias de abastecimento longínquas nos tornam vulneráveis, dependentes e impreparados para o futuro. Assim como se acha que é preciso criar “campeões europeus” em alguns sectores, nem que seja (isso não se diz) à custa de alguns “europeus da segunda liga” como frequentemente serão os campeões nacionais de países mais pequenos do que a Alemanha, França, Itália ou Espanha.
Estes movimentos, sem serem coordenados, vão todos na mesma direcção. Em Bruxelas e Washington, e mesmo no governo conservador de Londres, há políticos que decidiram que caberá ao “Estado” transformar a economia e imaginar como será o futuro. A pandemia, em tudo isto, é mais um pretexto do que uma causa directa. A convicção não é apenas económica, é maioritariamente ideológica e, no caso de Bruxelas, tem tudo que ver com saber onde está o poder na União Europeia.
O ar do tempo está a favor destes movimentos e alinhado com as propostas políticas mais protecionistas e estatistas. A tese de que a globalização penalizou as classes médias e baixas ocidentais, o medo do domínio económico chinês, a convicção de que só uma forte acção estatal impedirá uma tragédia climática, os millenials que querem mais experimentar do que ter – absolutamente contrários ao que os americanos foram sempre – , os nacionalistas e os reacionários que precisam de um estado que promova as suas convicções, as pressões migratórias que fazem uns dizer que o neoliberalismo trouxe a fome ao mundo e outros garantir que se não fecharmos a porta vem tudo a correr para estas sociedades prósperas, demasiado abertas e globalistas, discursos de medo (seja sobre o clima, as migrações, ou o futuro) e promessas de que tudo o Estado pode resolver, alimentam a vontade de maior protecção e intervenção pública. Mesmo quando são contraditórias e historicamente se provaram perversas.
Não há nada de profundamente novo nestas visões do mundo. Mas há na resposta. Ou na falta dela. E não é só à direita.
Há uns anos, os moderados da esquerda europeia e americana, os teóricos da terceira via, queriam garantir que o Estado mantinha um papel no meio da economia liberal. Esse tempo já passou. E essa esquerda também.
Assim como grande parte da direita mudou. Um nacionalista é tão proteccionsita e estatista como um socialista não liberal.
Perante esta enxurrada, faltam entre os líderes ocidentais vozes convictas e com autoridade que falem das virtudes da liberdade económica, de sociedades abertas que geram inovação e riqueza, da diferença entre o papel do Estado em tempo de excepção e em tempo de normalidade.
Esta guerra não é nova e nunca é definitiva, mas por agora o lado liberal está em perda. E à defesa. Se quer voltar a ganhar, terá de ter um discurso. Na Europa como nos Estados Unidos.
Henrique Burnay (no twitter: @HBurnay), consultor em assuntos europeus, é um dos comentadores residentes do Café Europa na Rádio Observador, juntamente com Madalena Meyer Resende, João Diogo Barbosa e Bruno Cardoso Reis. O programa vai para o ar todas as segundas-feiras às 14h00 e às 22h00.
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