Bruxelas entrou em modo pré-eleitoral. Um pouco como nos Estados Unidos da América, por aqui começa-se a pensar nas eleições europeias com enorme antecedência. Por duas razões. Por um lado, porque o processo eleitoral implica mais do que a eleição dos deputados. Implica a redistribuição dos lugares de topo nas Instituições europeias. E isso obriga a pensar como e com quem se vai partilhar o poder com muita antecedência. É preciso estar no sítio certo daqui a 18 meses. Por outro, por causa da maneira como se faz política e legisla na União Europeia: com muito tempo e previsibilidade.

Na política nacional a realidade é muito mais forte que os programas eleitorais. Um governo aprova o seu programa no início do mandato, mas aquilo que vai ser verdadeiramente importante ao longo do tempo, e pelo qual vai sendo avaliado, é como reage às crises, às notícias, às variações económicas. A pressão diária torna a governação um exercício difícil e, sobretudo, pouco planeado e pensado a médio prazo. Os governos, na maior parte dos casos, governam para o dia seguinte.

A política europeia, na maior parte das vezes, faz-se para o médio ou mesmo longo prazo. Quem olha para a Europa como uma mera fonte de euros dará pouca atenção ao processo de negociação dos orçamentos e de escolha das prioridades que vão ser financiadas. Mas quem presta atenção a tudo o resto, que é muito, mas mesmo muito, mais que os fundos, sabe que a Europa é uma coisa que se faz com tempo. Uma proposta começa por ser anunciada, mastigada e preparada dentro da Comissão Europeia, depois é enviada para o Conselho (para os governos, portanto) e para os Deputados no Parlamento Europeu e por lá fica até que ambas as partes cheguem a acordo. Dentro das próprias instituições e entre si. Coisa para levar facilmente um ou mesmo dois anos.

Esta forma demorada e muito negociada de fazer política é uma das enormes virtudes europeias. Raramente as decisões agradam apenas a metade mais um, ou ofendem metade menos um. Ao contrário da política nacional, a política europeia é feita de compromissos. Ficar de fora serve de muito pouco.

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Esta demora no processo legislativo faz com que a Comissão Europeia comece a parar de apresentar propostas muito antes do fim do seu mandato. Ao contrário dos governos, a Comissão não quer dizer que propôs. Isso não tem valor eleitoral. Quer que as propostas sejam aprovadas no seu mandato. O resto será coroa de glória de outros. Por isso, também, é que de Junho que vem em diante só é provável que a Comissão Europeia proponha coisas de muito longo prazo, ou muito urgentes. Em compensação, os próximos 18 meses são de intensas negociações entre governos e deputados europeus. Sendo que os deputados, mais que os governos, têm interesse em chegar a acordos antes do fim do seu mandato.

A outra razão para esta antecipação é por causa da forma como se escolhem os lugares de topo das instituições. Se tudo resultasse directamente das eleições, seria mais simples. E pior. (No dia em que a Comissão Europeia for de um ou dois partidos apenas, ou quando houver maioria e oposição no Parlamento, as decisões serão menos negociadas e, consequentemente, terão os interesses e preocupações de menos europeus em conta.)

A um ano e meio de distância começam-se a fazer contas. O Partido Popular Europeu continuará a ser o mais votado? E, quer sim, quer não, Ursula Von der Leyen vai manter-se? Se a popularidade e visibilidade dada à Comissão Europeia contar, dir-se-ia que sim. Mas se os Estados membros (e sobretudo os governos) estiverem incomodados com o protagonismo da presidente da Comissão, e alguns estão, o lugar pode estar em risco. Além de que há outros critérios. Von der Leyen não é social democrata, como Olav Scholz, mas é alemã. E isso, mesmo que os socialistas europeus ganhem as eleições europeias, conta alguma coisa. Assim como conta o facto de os socialistas europeus provavelmente acharem que nos últimos anos foram prejudicados. O segundo maior partido europeu teve menos poder do que os “liberais” de Macron, que ficaram com uma vice-presidência da Comissão Europeia, tal como os socialistas e os populares, e ficaram com a presidência do Conselho.

A mais de um ano de distância, começam-se a fazer contas e cenários. E é muito natural que em Lisboa também se façam. Se os socialistas europeus não ganharem as eleições europeias (ou se ganharem, mas a Alemanha ainda assim quiser manter Von der Leyen), é muito provável que desta vez queiram mais e melhor do que tiveram. A presidência do Conselho, por exemplo. E António Costa é um nome provável. E, detalhe não irrelevante, nessa altura, a partir de Julho de 2024, será Órban a exercer a presidência rotativa do Conselho. Ou seja, o primeiro ministro húngaro deverá ser quem faz de mediador e “honest broker” no processo de distribuição dos diferentes lugares. Vai ser… interessante.