A visita do Presidente do Brasil, Lula da Silva, à Assembleia da República recordou três coisas sobre política externa: que os radicais são muito iguais entre si, confundem interesse nacional com ideologia e preferem a performance à substância; que os países têm interesses, não têm sentimentos nem estados de alma; e que o papel dos países que falam português, a começar pelo Brasil, pode ser muito mais importante nos próximos tempos. E, por isso, a diplomacia de Portugal terá mais que fazer. 

Começando pelo espetáculo. Desta vez foi o Chega que fez a cena e confundiu a recepção ao Presidente do Brasil com uma manif de bolsonaristas, justicialistas ou meros arruaceiros. Qualquer pessoa que exija respeito pelos órgãos de soberania tem de ter ficado incomodada. Além disso, o Chega invocou a posição de Lula sobre a Ucrânia. Uma coisa grave e lamentável, de facto. Mas quem recebe Salvini e admira Trump não pode invocar esse argumento. Os amigos do Chega pensam como o PCP (e como o Chega sinceramente pensa, mas não diz) sobre a Ucrânia e a Rússia.

Mas há o reverso. O problema, para alguns dos críticos, não é o que o Chega fez, é contra quem o fez. Há 38 anos, quando Ronald Reagan discursou no Parlamento, os deputados do PCP saíram (sem pateadas), e o dos Verdes tentou lançar uma pomba branca desde uma gaiola. O Chega foi mais caricatural, caricato e ofensivo, mas o conceito é o mesmo: não gostamos do convidado. Alguns dos que criticam o Chega teriam feito semelhante se alguém tivesse tido a ideia de convidar Donald Trump para ir à Assembleia da República. O problema é esse. O interesse nacional não tem interesse para as suas acções.

A outra lição que a vinda de Lula a Portugal recorda é a dos interesses dos Estados, por oposição aos estados de alma. Não são só os portugueses no Brasil ou os brasileiros em Portugal – o que é suficiente para pensar duas vezes antes de pateadas e cartazes. São também os investimentos. E a importância que os países têm. Se os únicos países com os quais nos damos fossem iguais a nós, sobrariam muito poucos. O que não quer dizer que convidar o presidente do Brasil, que diz o que já se sabia que dizia, para a cerimónia do 25 de Abril na Assembleia da República tenha sido uma boa ideia. Não por Lula ter estado preso. Mas por Lula não ser um democrata sincero. A menos que se ache possível ser-se democrata sincero e amigo da Rússia e da China ao mesmo tempo, e sem ser apenas por interesse.

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Finalmente, tudo isto leva-nos ao último ponto: a importância global dos países de língua portuguesa e onde é que entramos nessa conversa.

Quando o 25 de Abril mudou Portugal, a lógica da Guerra Fria fez com que os países recém-nascidos se tornassem em satélites da União Soviética. Não muito depois de Portugal aderir à União Europeia, o muro de Berlim caía e esses países começaram a transitar para a democracia. Mais ou menos, nalguns casos.

Um estudo pouco aprofundando que fiz no final do século passado mostrava que os países membros da CPLP raras vezes votavam ao lado de Portugal nas Nações Unidas quando estavam em causa questões fundamentais. Os últimos anos, quando a Rússia perdeu relevância na cena global e a China fazia de campeã do comércio internacional, podem ter diminuído essa distância, mas o confronto global está de regresso, e o lugar de cada um desses países é tudo menos irrelevante. Brasil, Angola, Moçambique, São Tomé, mas também Guiné e mesmo Timor, contam no mundo. Seja na Assembleia das Nações Unidas, seja na importância das suas matérias primas, seja na sua localização. Seja na língua que falam e no dinheiro que investem (Brasil). Tudo isso significa que a suposta relação especial que queremos ter com estes países é muito mais importante para a ordem internacional agora do que foi nos últimos anos. E isso implica saber fazer diplomacia. Daí que tenha sido tão importante mostrar ao presidente do Brasil que a sua posição sobre a Ucrânia é inaceitável para uma parte relevante dos seus interlocutores e dos parceiros que lhe interessam (não é só a China que lhe importa). Mas, também por isso, substituir a diplomacia por uma manifestação de arruaceiros mais própria de delinquentes não é certamente o que se espera de quem defende o interesse nacional. Mas, lá está, essa não é a preocupação do Chega. Nem dos que teriam feito o mesmo se o convidado fosse Trump.