1. A saída do procedimento por défice excessivo (PDE) deve-se exclusivamente aos portugueses. E o risco do procedimento por desequilíbrios macroeconómicos (PDM) deve-se a quem? Pois, naturalmente, também aos portugueses.

2. Não há mais protagonistas: foram os portugueses, trabalhadores, empresários, cientistas, professores, estudantes (o futuro), funcionários públicos (fazem funcionar Portugal), a arcar com o esforço indispensável à saída do défice excessivo. São eles os responsáveis do que de bom e mau há na vida colectiva do nosso país.

3. Mas a saída do PDE é uma oportunidade para fazer de Portugal, finalmente, um país desenvolvido. Não a percamos. Seguem-se palavras sábias.

4. Eu sou aquele que se espanta da própria personalidade e creio-me portanto, como português, com o direito de exigir uma pátria que me mereça. (…) Eu não tenho culpa nenhuma de ser português, mas sinto a força para não ter, como vós outros, a cobardia de deixar apodrecer a pátria.

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5. Porque nós sentimos a pátria apodrecer há pouco tempo, quando nos cofres do Estado faltavam recursos para cumprir os compromissos básicos, como pagar os serviços públicos indispensáveis. Numa palavra, quando falimos. Não sentimos?

6. Portugal é um país de fracos. Portugal é um país decadente: Porque a indiferença absorveu o patriotismo. Porque aos não indiferentes interessa mais a política dos partidos do que a própria expressão da pátria, e sucede sempre que a expressão da pátria é explorada em favor da opinião pública.

7. Ora a opinião pública, a dos portugueses, expressa-se na praça pública, muito mais do que no espaço físico da ágora, hoje transformada num nexo global de redes virtuais, instantâneas, em simultâneo com as antigas instituições, dos velhos jornais aos novos canais. E na praça pública os portugueses expressam-se e exigem mais patriotismo das instituições que os servem. Embora…

8. O português com todas as suas qualidades (…) desnacionaliza-se imediatamente fora da pátria, e até na própria pátria (…); o português educado sem o sentimento da pátria e acostumado à desordem dos governos criou por si a compensação inútil de dizer mal dos governos e nem poupou a pátria. Estabeleceu-se até, elegantemente, como prova de inteligência ou de ter viajado, dizer mal da pátria.

9. No livro de 2012 “Porque falham as nações”, Daron Acemoglu e James Robinson defendem que uma nação bem-sucedida é a que tem instituições inclusivas e não extractivas. Instituições económicas inclusivas são as que permitem e encorajam a participação do maior número de pessoas em actividades económicas usando o seu talento e fazendo as escolhas que entendem. Extractivas são as instituições que extraem riqueza de um sector maioritário da sociedade para a entregar a sub-sectores ou grupos determinados. São próprias dos países que ficam para trás. Portugal?

10. O português, como os decadentes, só conhece os sentimentos passivos: a resignação, o fatalismo, a indolência, o medo do perigo, o servilismo, a timidez (…). É preciso criar o espírito da aventura contra o sentimentalismo literário dos passadistas. É preciso criar as aptidões pró heroísmo moderno: o heroísmo quotidiano.

11. Ora percorrem-se as redes sociais, os blogs, o FB, lêem-se tweets e reconhece-se que muito mudou. Os publicistas são hoje aventureiros, arriscam actos, abundam em verve, ousam. Quais heróis quotidianos, ainda que timidamente salvadores ou cristianos, assumem-se actores do futuro no presente. E contudo, é preciso

12. … destruir este nosso atavismo alcoólico e sebastianista de beira mar. É preciso destruir sistematicamente todo o espírito pessimista (…). É preciso explicar à nossa gente o que é a democracia para que não torne a cair em tentação.

13. Vale pois o alerta, directamente do livro de Acemoglu, também contra as instituições políticas extractivas nocivas ao progresso da nação: inclusivas são as instituições centralizadas e pluralistas, extrativas aquelas em que falta uma destas condições. Nos países com instituições políticas extractivas, não pluralistas ou com um poder central fraco, as elites controlam as instituições económicas, “extraindo” em proveito próprio, do partido, clã ou, da sua família, a riqueza colectiva (ver entrada nº 9). E por isso,

14. (…) vós, ó portugueses da minha geração, que, como eu, não tendes culpa nenhuma de serdes portugueses: Insultai o perigo (…). Fazei a apologia da Força e da Inteligência (…).o patriotismo condicional degenera e suja; o patriotismo desinteressado glorifica e lava. Gritai nas razões das vossas existências que tendes direito a uma pátria civilizada.

15. Temos direito a uma pátria civilizada e a que os nossos líderes, os governantes que escolhemos, nos garantam instituições inclusivas. Que a pulsão extractiva que noutras paragens adultera a democracia, como acontece no Brasil e em tantos países e aqui também sucedeu, se extinga em Portugal. Temos direito a mandar, porque o mando – na civilização da democracia – fez-se para proveito verdadeiro do povo. De nós todos.

16. O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, Portugueses, só vos faltam as qualidades!

17. Para que conste e elucidando os leitores que tiveram a coragem de aguentar este texto até aqui e não o saibam, as entradas pares a partir da 4ª são citações do “Ultimatum Futurista” de Dezembro de 1917, da autoria de Almada Negreiros.

Saímos do PDE mas arriscamos o PDM. Temos a oportunidade de construir uma pátria civilizada, com mais bem-estar, menos desemprego, mais riqueza justamente distribuída. As elites, a começar pelas políticas – e pelos partidos políticos –, devem abandonar de vez a tentação antiga da extracção. Fazer política é em prol do bem público, do povo, dos portugueses e nunca para benefício próprio, seja em que sentido for.

Portugal quer ser um país civilizado. Hoje, ao contrário do que escreveu Almada em 1917, os portugueses possuem qualidades suficientes para sustentar essa civilidade, essa modernidade. Conseguimos fazer. Falta fazer. Queremos ser um povo completo. Dispensamos ultimatos e o regresso a tentações extractivas.

PS. A saída do PDE é uma notícia que nos devolve confiança e apura o orgulho. Mas o risco de um PDM, explicado no Observador, para já também evitado, saliente-se, alerta-nos para a necessidade de manter o rumo encetado pelo anterior governo e prosseguido pelo actual, sendo certo que a obra e o esforço são devidos por inteiro ao povo português.

Este é o povo que Almada dizia incompleto por lhe faltaram qualidades e que vem provando, volta a provar, estar cada vez mais perto da completude definida pelo poeta da modernidade; o homem que tinha “a cara nos olhos” e via longe (“os meus olhos não são meus, são os olhos do nosso século” – dizia), viu afinal ainda para além do seu século.

Façamos-lhe jus, provando que estava errado.

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