No rescaldo das eleições legislativas, o foco está – compreensivelmente – na governabilidade e no extraordinário crescimento do Chega. E faz sentido que assim seja. Como escrevi na minha reacção rápida às eleições, no dia 10 de Março o sistema partidário português mudou, com o país a mostrar inequivocamente a sua insatisfação com a governação socialista e a virar à direita mas a concretizar essa viragem não reforçando a AD nem a IL mas sim através do extraordinário crescimento do Chega. Isto numas eleições em que a participação aumentou substancialmente, o que justifica que se dedique também alguma atenção ao resultado da IL e possíveis causas do mesmo.
Por altura da sua eleição como líder da IL em 2023, Rui Rocha estabelecia como ambição: “Vamos ter 15% e vamos acabar com o bipartidarismo”. Um ano depois, em Janeiro de 2024, já tinha havido um downgrade substancial e os objetivos – mais modestos – passavam por crescer 50% (presumivelmente para 7,5% dos votos) e conseguir fazer eleger 12 deputados. Todos estes objetivos falharam de forma inequívoca.
Ainda assim, não se concretizaram também os augúrios catastrofistas de vários dissidentes que previam uma quebra – ou mesmo o desaparecimento – da IL. Os resultados da IL falharam os objetivos estabelecidos mas têm alguns pontos positivos que devem ser realçados: a IL conseguiu fazer eleger pela primeira vez um deputado por Aveiro, subiu em mais de 40 mil votos a votação face a 2022 e conseguiu manter um grupo parlamentar com 8 deputados. Ainda assim, é inegável que o partido não conseguiu capitalizar o elevado descontentamento existente com PS e PSD nem a vaga de direita.
É provável que uma parte do resultado da IL possa ser explicado por ter um eleitorado menos resistente ao voto útil. Tendo Rui Rocha estabelecido uma linha vermelha face ao Chega e declarado intenção de colaborar pós-eleitoralmente com AD, muitos potenciais eleitores liberais terão – de forma perfeitamente racional – optado por reforçar as possibilidades de a AD vencer as eleições. Por outro lado, Montenegro foi também menos hostil para com os liberais do que havia sido Rui Rio, o que também terá ajudado a cativar algum desse eleitorado.
Importa também realçar que houve importantes diferenças regionais na evolução do voto da IL entre 2022 e 2024. Em Setúbal, a IL subiu de 22 mil votos (5,13%) para quase 27 mil (5,36%), no Porto de 50 mil (5,11%) para 64 mil votos (5,75%), em Aveiro de 16 mil (4,47%) para mais de 21 mil votos (5,11%) e em Braga (onde Rocha foi cabeça de lista) de 21 mil (4,33%) para quase 34 mil votos (6,10%), um notável acréscimo superior a 50% no total de votos conseguidos. Mas em Lisboa a IL teve uma quebra significativa, descendo de 7,90% para 6,58% e perdendo um dos quatro mandatos obtidos em 2022. Para o fraco resultado em Lisboa poderão ter contribuído o facto de a IL não ter o líder a concorrer por Lisboa, assim como a ausência de João Cotrim de Figueiredo (por ir ser candidato nas eleições europeias). Apesar de tender a não valorizar muito os efeitos das naturais dissidências que resultam das disputas internas pelo poder em todos os partidos (incluindo, como não poderia deixar de ser, a IL), é de admitir que a saída de Carla Castro (que tinha sido eleita por Lisboa) tenha também tido algum efeito negativo no distrito.
Creio no entanto que, para além das diferenças regionais e dos factores condicionantes específicos destas eleições, os resultados deveriam levar os dirigentes e militantes da IL a reflectir sobre o rumo do partido. Pela minha parte, arrisco identificar três problemas principais:
1) O erro estratégico de alinhar com a agenda da esquerda, afirmando repetidamente uma linha vermelha incondicional face ao Chega. Uma coisa é vincar diferenças entre a plataforma da IL e do Chega procurando persuadir o maior número de eleitores e criticando duramente o que há de criticável nas propostas e no discurso do Chega. Outra, bem diferente, é excluir a priori a possibilidade de contribuir para uma maioria de direita que pudesse incluir o Chega, independentemente de qualquer negociação. O momento em que alguns deputados da IL aplaudiram uma das performances prepotentes de Augusto Santos Silva enquanto Presidente da Assembleia da República abusando do seu poder relativamente ao grupo parlamentar do Chega ficará a este propósito como uma marca infame de submissão ao politicamente correcto.
2) As crescentes cedências ao wokismo e a adopção com crescente visibilidade e destaque de uma agenda progressista por parte da IL. A esse respeito é tristemente elucidativo que Rui Rocha tenha optado por terminar a campanha eleitoral posicionando a IL como campeã da defesa do acesso ao aborto. Conforme texto publicado por Rocha aqui mesmo no Observador: “De igual modo, continuaremos muito atentos às crescentes dificuldades no acesso ao direito legal à interrupção voluntária da gravidez. Tal configura uma violação dos direitos das mulheres e, nesse sentido, a Iniciativa Liberal manterá a pressão para garantir o cumprimento da lei e o acompanhamento das mulheres que enfrentam essa delicada situação.”
3) A falta de inclusividade – e até em alguns casos promoção de hostilidade – relativamente a liberais conservadores. Esta tendência, bem patente na ignorância atrevida e patética associada à forma como o slogan “liberal em toda a linha” é empregue internamente na IL, privilegia o fechamento em vez da abrangência. A ponto de se sucederem manifestações de regozijo pela saída da IL de membros mais conservadores em vez de se procurar tornar o partido atractivo para liberais que estão fora do partido.
Rui Albuquerque, em artigo recente no Observador, sintetizou bem estes dois últimos problemas:
“Um partido liberal que tinha ganho, durante a liderança de Guimarães Pinto, uma espessura muito interessante nesse domínio, acabou por se deixar perder num wokismo sobre políticas de género e questões de identidade sexual, tendo-se metido em trapalhadas graves, como as que se prendiam com a legislação sobre a autodeterminação de género em ambiente escolar, isto é, entre crianças e jovens ainda em formação psicológica e física. Sempre que eram suscitadas dúvidas ou eram criticadas as posições do partido nessas e noutras matérias, aparecia alguém, de dedinho esticado e vozinha esganiçada, para impor o novo diktat ideológico: a IL era “liberal em toda a linha”. Quem não gostasse que fosse para outras paragens. Foi isso mesmo que, infelizmente, muitos fizeram. A IL parece não se ter importado com isso. Pelas redes sociais e pela comunicação social houve mesmo quem se regozijasse com as saídas dos “conservadores”. Segundo esta novíssima doutrina, liberalismo e conservadorismo são como água e azeite: não combinam.”
Não subscrevo de todo a descrição idealizada feita por Rui Albuquerque sobre os congéneres europeus da IL – vários deles de facto mais relevantes do que a IL para a governação nos respectivos países, mas frequentemente bem piores ideologicamente –. mas os alertas principais do artigo parecem-me válidos e oportunos.
Para terminar numa nota positiva, é de realçar que, apesar de não ter aumentado em quantidade, a qualidade do grupo parlamentar da IL é de altíssimo nível: além da experiência que já têm, Rui Rocha, Carlos Guimarães Pinto, Bernardo Blanco, Rodrigo Saraiva e Joana Cordeiro estão todos claramente acima da (baixa) média do Parlamento e as novas adições Mariana Leitão e Mário Amorim Lopes (que fez uma campanha verdadeiramente excepcional em Aveiro) deverão ser excelentes revelações.
Importará agora analisar friamente os resultados, com humildade e sentido crítico, de forma a reflectir e tirar lições para a preparação das eleições europeias que já se avizinham. João Cotrim de Figueiredo será um candidato forte mas a dinâmica não é de todo favorável à IL. Será importante ter um (ou preferencialmente uma – como a Vice-Presidente da IL e coordenadora do ILab Ana Martins) número dois forte na lista para as europeias, afinar a estratégia e o discurso e evitar repetir erros do passado recente.