Quando se fala de algum conflito no Médio Oriente, não se pode ignorar o papel que nele desempenha o factor do petróleo e do gás, a guerra na Síria não é uma excepção a essa regra.
Nas relações internacionais não há amigos, mas apenas interesses e são estes que movimentam os grandes jogadores internacionais na Síria. Por isso, os apoios do Presidente russo Vladimir Putin ao regime de Bashar Assad ou dos Estados Unidos à oposição síria não se norteiam pela defesa de direitos humanos ou pela implementação da democracia, mas pela influência num país estrategicamente situado no transporte do gás e petróleo do Médio Oriente para a Europa.
A Gazprom russa, que tenta controlar os fornecimentos do gás à Europa, não gostaria de ver construído um gasoduto entre o Qatar e as costas da Síria, pois isso poderia causar-lhe fortes prejuízos no futuro. O analítico russo Vladimir Alekseev considera, em declarações ao diário “Nezavissimaia Gazeta” que a perda da Síria para a Rússia permitiria ao Qatar “construir, através do território da Arábia Saudita e da Jordânia, um gasoduto até à costa da Síria e, daí, até ao Sul da Europa”, concluindo que isso “faria gorar os planos da Rússia de ladear o território da Ucrânia e reduziria os fornecimentos de gás à União Europeia entre 30 e 40%”.
A Rosneft, a maior empresa russa de exportação de petróleo russo, também não quer ver aparecer um oleoduto entre o Kuwait e a Síria, através da Arábia Saudita e Jordânia, o que iria fazer forte concorrência ao crude russo na Europa.
Esta é a principal razão do envolvimento militar de Moscovo, que tenciona reforçar o actual regime de Damasco (com ou sem Bashar Assad) e manter a sua influência na região.
Porém, alguns países sunitas da região vêem demonstrando que não saudam o reforço das posições russas, e com elas as iranianas shiitas na Síria. Por exemplo, as petrolíferas russas pedem ao Kremlin protecção face ao aumento da venda de petróleo saudita para a Europa a preços inferiores aos praticados no mercado internacional. Alexei Kokin, perito do banco “Uralsib”, considera que, num momento em que a Rússia fornece à UE 25% do petróleo consumido pelos seus países membros, ela pode perder um terço desse mercado se a Arábia Saudita aumentar as exportações para o Velho Continente em 1 milhão de barris por dia . Segundo Igor Setchin, dirigente da Rosneft e um dos homens fortes do Kremlin, os sauditas já começaram a fornecer petróleo à Polónia a preços mais baixos do que os praticados nos mercados.
Recordo que uma das causas da desintegração da União Soviética foi a queda brusca do preço do petróleo nos anos de 1980, fruto de um acordo entre Ronald Reagan e os dirigentes sauditas.
No caso do petróleo, a Rússia não possui infraestruturas de transporte que lhe permitam encaminhar esse petróleo para os mercados asiáticos.
No campo do gás, as notícias,como já vimos, também não são as melhores para Moscovo. Devido à intervenção militar de Moscovo na Síria, a Turquia ameaçou deixar de comprar gás natural russo. Claro que isso é pouco provável, visto que Istambul não arranjará rapidamente alternativa de fornecimento, mas está a criar sérias dificuldades à construção do gaseoduto que deverá transportar gás russo através do seu território para o Sul da Europa.
E a União Europeia parece também estar a ficar mais sensibilizada para o perigo de dependência demasiada dos seus membros do monopolista russo Gazprom. A Comissão Europeia anunciou a construção de um gasoduto entre a Lituânia e a Polónia. Com abertura prevista para 2019, ele visa retirar da dependência total do gás russos a Lituânia, Letónia e Estónia.
O analista militar Vladimir Popov recorda: “Em 1994, o primeiro Presidente da Rússia, Boris Ieltsin, decidiu iniciar acções armadas na Chechénia separatista sob pressão do lobby petrolífero, porque, então, toda a exportação do petróleo do Cáspio passava pelo gasoduto Baku-Grozni-Novorossisk. O gasoduto quase não funcionava. Dudaev roubava esse petróleo. O Azerbaijão precisava de vender combustíveis. Então, os Estados Unidos deram início à construção do oleoduto Baku-Tbilissi-Jeikhan, ladeando a Rússia. E conseguiram. Semelhante cenário foi preparado para a Rússia no Médio Oriente”.
Por conseguinte, a aposta de Putin na Síria é muito maior do que se possa pensar. Não se trata apenas de uma demonstração de força, embora esse factor seja também relevante, mas também de defender os seus interesses económicos. Resta saber se a economia russa vai ter arcaboiço para suportar estes pesados fardos.