Têm sido dias ricos em novidades, algumas mesmo surpreendentes. Se há duas semanas nos tivessem dito que ia haver uma rusga na FIFA, que vários dirigentes seriam detidos e que o próprio Josep Blatter seria forçado a apear-se do cargo para o qual tinha acabado de fazer-se reeleger, talvez não acreditássemos. Não pelas suspeitas de corrupção nessa duvidosa holding do futebol, tão surpreendentes como o Natal “calhar” no dia 25 de Dezembro. Mas por, finalmente, alguém se ter disposto a pôr as mãos naquela gente. Teve que ser, tristemente, a justiça americana. Será que a cumplicidade com o mundo da bola é tanta deste lado do Atlântico que até tem a justiça capturada? É possível.

Surpresa também na notícia que verdadeiramente interessa e mobiliza o país: a mudança e um treinador de futebol de um clube para outro. Ao pé disto, o que é a discussão pífia e pouco importante dos programas eleitorais que começam a ser colocados em cima da mesa?

Mas a minha notícia surpreendente de eleição não é nenhuma destas. Quando a li esta quinta-feira, já noite, aqui no Observador, voltei atrás, esfreguei os olhos, não estivessem eles a trair-me, e reli: o Banco de Portugal fez uma auditoria interna depois do caso BES para tentar perceber o que correu mal e daí tirar lições. Isso mesmo. Uma avaliação interna, com algumas conclusões divulgadas publicamente e onde até há auto-críticas sobre o comportamento da supervisão bancária.

O tema tem sido recorrente nestes meus artigos e sem querer abusar da paciência dos leitores, se me tenho indignado com o autismo de uma instituição que se coloca numa torre de marfim sem dar cavaco a ninguém, sem capacidade de auto-crítica e sem esboçar a mínima vontade de se reformar, é da mais elementar justiça que agora que o mamute se mexeu isso seja também publicamente sublinhado e aplaudido.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Vale a pena ler as conclusões do BdP. Estão lá várias propostas legislativas para o Governo e Parlamento, algumas na linha do que é, e bem, defendido pelo Bloco de Esquerda, como a limitação da exposição dos bancos às empresas suas participadas – traço comum nos escândalos BES e BPN.

Mas também há lições internas que, de tão inéditas, merecem ser destacadas. A mais relevante é a abertura para uma mudança de atitude. Diz o BdP que vai agora “tomar decisões de supervisão de forma mais tempestiva (célere) e determinada, mesmo que tal implique um maior risco de litigância”. Obviamente. Recordam-se da explicação dada por Carlos Costa na Comissão Parlamentar de Inquérito quando lhe perguntaram porque não tinha forçado a saída de Ricardo Salgado mais cedo do que veio a acontecer? O governador justificou-se dizendo que os serviços jurídicos do banco central receavam que a retirada de idoneidade da Ricardo Salgado não fosse juridicamente à prova de bala. Um receio que custou 1,5 mil milhões de euros de “buraco” adicional nas contas do banco, que ocorreu nas duas últimas semanas em que o então “dono disto tudo” liderou o BES.

Sauda-se esta vontade de mudança, apesar de tardia. Têm que ser os regulados a temer o regulador e a fazer contas ao risco jurídico e não o contrário, como é evidente.
Podemos teorizar sobre o momento oportuno em que algumas conclusões desta auditoria são divulgadas. Carlos Costa há-de ir proximamente ao Parlamento para ser ouvido no âmbito do processo de recondução do cargo. E é obviamente inteligente que apareça perante os deputados com algum trabalho de casa feito, com alguns “mea culpa” assumidos, mostrando vontade de mudança e de reforma, dizendo que aprende com os erros e que está disponível para corrigir falhas. É a melhor forma de antecipar e tentar amortecer as críticas legítimas e justas que as bancadas da oposição lhe hão-de fazer e que até constam do relatório final da CPI do BES.

Calculismo tático? Muito provavelmente. Mas na essência este é o caminho correcto que só peca por tardio – e não chega meses atrasado, chega anos, muitos anos atrasado. Importa, por isso valorizá-lo.

Dado este passo, esperemos que esta auditoria não seja agora atirada para uma gaveta, a mesma onde muitos programas eleitorais dos partidos vão parar após a tomada de posse dos que o fizeram.

Ainda falta a coragem para divulgar o documento na íntegra, que isto da transparência e da “accountability” é coisa nova e estranha no Banco de Portugal e tem que ser tomada em doses homeopáticas, não vá o organismo rejeitar o medicamento e entrar em processo reactivo.

Talvez a realização de auditorias regulares e a sua divulgação pública obrigatória devesse ser mais uma alínea nas propostas de alteração legislativa que o Banco de Portugal faz.

Se isso for já pedir demais, há ainda a esperança que um jornalista mais curioso recorra à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos e que esta obrigue à divulgação integral do documento, nem que seja daqui a um par de anos depois da batalha legal da praxe. É só uma ideia.