Associamos a abstenção eleitoral aos eleitores mais jovens, os quais também acusamos de não participarem tanto quanto a democracia lhes permite nos processos decisórios hodiernos. A abstenção é elevada, como bem se sabe, mas é-o sobretudo entre os mais jovens, que parece alhearem-se de parte dos seus direitos e deveres cívicos. É também verdade que as eleições já poderiam estar muito mais fáceis e “digitais”, mas isso, porventura, não interessará a quem pode decidir essa modernização e transformação digital.

Recentemente vimos algumas manifestações pela Habitação ou pelo Ambiente, mas a governança atual permite-lhes outras formas e fóruns de participação na defesa das suas causas, e sabemos que tal não acontece com a frequência desejável numa democracia em que a participação se esgota com a votação, e que, no caso dos mais jovens, nem sequer com este ato, pois acham não valer a pena e abstêm-se.

Se considerarmos umas eleições legislativas como sendo as mais significativas, verificamos que quase metade dos eleitores se abstém de participar e que para a maioria absoluta bastam 23 em cada 108 eleitores inscritos votarem num determinado partido político, ou seja: 21,27% dos eleitores inscritos.

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“Votar com os pés” é uma expressão que significa mudar de município, região, país ou continente, em descontentamento com o quadro social, tributário ou de oportunidades que o território de origem apresenta. A expressão foi usada nos EUA, face às grandes diferenças que por vezes se verificam entre Estados, em matéria de direitos, de tributação ou mesmo de legislação penal. António Caleiro (2005) debruçou-se sobre os movimentos migratórios de escala regional enquanto frutos de uma diversidade de fatores, sendo entendidos como uma reação, por parte da população, às políticas da região de origem.

De tempos a tempos intensificam-se os movimentos migratórios. Foi assim nos anos da ditadura e das guerras do Ultramar, foi assim quase sempre daí para cá numa incessante procura de oportunidades; sobretudo para o exercício de funções de menor exigência técnica. Foi assim em resposta às políticas públicas restritivas que haveriam de devolver a soberania nacional perante uma Troika de credores exigentes, e é assim nos dias de hoje, com a particularidade de estarem a emigrar os jovens mais qualificados (cerca de 30 mil licenciados por ano).

Perante um quadro tão conhecido da nossa fragilidade demográfica, esta emigração é uma ameaça fortíssima que intensifica os riscos de insustentabilidade social traçados nos primeiros estudos demográficos para o século XXI, quer do INE quer da PORDATA.

Primeiramente a deslocalização de pessoas deu-se dentro do país, com a procura de oportunidades nas cidades e o despovoamento verificado em mais de 2/3 do país (a citalitoralização de que falámos aqui); mas no presente, conjugaram-se vários fatores que mudaram os fluxos para a Europa, sobretudo.

De entre esses fatores podem contar-se:

  • o aprofundamento da União Europeia, dos direitos dos cidadãos e dos reconhecimentos de habilitações e competências;
  • surgimento das viagens de avião frequentes e de baixo custo,
  • oportunidades de emprego em muitas cidades da Europa (toda ela carente de jovens quadros);
  • fiscalidade relativamente elevada em Portugal;
  • falta de habitação nas cidades portuguesas a preços aceitáveis para os jovens casais;
  • conhecimentos da língua inglesa (presentemente estudada oficialmente em todas as escolas e níveis de ensino), e
  • melhores salários praticados nos países de destino.

Se nos detivermos sobre os dados referentes ao número de pessoas que emigraram nos últimos 5 anos, de forma permanente ou temporária, temos aproximadamente 365 mil pessoas, ou seja, cerca de 7% do total da população ativa saiu do país para viver no estrangeiro.

Presentemente vamos ter todos os municípios e todas as cidades a competirem por pessoas. Por isso está já em marcha o fenómeno da competitividade fiscal entre municípios com devolução de até 5% do IRS e redução das taxas de IMI, entre outras isenções e benefícios locais. Falta saber até onde esses impulsos serão suficientes para a tomada de decisão de ficar ou votar com os pés…

A quebra sucessiva e acentuada na natalidade e os fluxos migratórios vão colocar as pessoas na primeira linha das políticas públicas, finalmente!! Sem pessoas não haverá muitos dos municípios que hoje temos. É, pois, uma questão de sobrevivência inverter a saída das pessoas dos territórios com maiores fragilidades económicas e sociais, como é uma questão de subsistência tornar o país competitivo com um quadro de oportunidades que façam justiça e peçam meças às oportunidades que na Europa os países mais ricos vão criando para os jovens, os deles e os nossos.

Aos jovens caberá participarem mais na vida pública. Não é a atirarem com balões de tinta aos políticos, é a participarem efetivamente com a exigência de melhores políticas públicas em nome da equidade intergeracional. É também a permitirem-se ser candidatos a eleições e sobretudo a votarem para serem respeitados nos seus legítimos anseios. Votar com os pés deveria ser relegado para derradeira solução.