Com honrosas excepções (uma delas a indignada intervenção televisiva de Marcelo Rebelo de Sousa que ficará para a história constitucional), o transversal indiferentismo de um certo Portugal urbano, dependente e incapaz perante a tragédia dos incêndios do interior – centro do país deste Verão/Outono, foi cruelmente revelador dos escombros de uma sociedade dita pós-moderna.

Demasiadas pessoas esqueceram-se da verdade simples da entrega feita com regra e com zelo, do serviço e do bem comum.

Quem governa por “intuições” e pulsões pessoais em vista da pura e simples promoção de interesses particulares de casta ou de canastro partidário não tem tempo para o outro, dele não quer saber, nem do seu bem, nem do seu mal, como se viu.

Rigorosamente, é a mesma lógica do furtivo “roubo” de material de guerra de Tancos, outra história muito mal contada em que um certo País abambalhado e depressivo vai pródigo.

Com efeito, o agenciamento de empregos e de carreiras e a gestão sindicalizada da distribuição de benesses não deixam tempo para mais nada: nem para organizar a floresta, nem para combater fogos, nem para proteger pessoas e fazendas.

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Não se pode, nem se quer governar a sério.

O povo – povo dos que fazem vida fora de todos os perímetros orçamentais, esse, sobrevive no sequestro permanente (que se tem mostrado imparável e implacável) da canga mediática.

Os protagonistas políticos sedados por todas as conveniências, arrastam-se aqui e na Europa, fátuos e alheados da realidade.

Já não acreditam realmente nem na legitimidade, nem na eficácia dos seus mandatos e servem os novíssimos príncipes do poder pelo poder, da falta de escrúpulos e do dinheiro fácil e a bolinar sem ligar ao comum das pessoas, buscando somente a permanência nesse tabuleiro e as correspondentes vantagens dos almoços grátis.

A lógica dominante é de que a vida se faz e se desfruta hoje por hoje, aqui e agora, doa a quem doer.

Para “nossa” vantagem e do “nosso” grupo.

Como dizem os italianos, “sono tutti buona gente”.

O poder no mundo e do mundo (mas só para um certo mundo).

As outras pessoas afinal são o inimigo, nunca o nosso igual ou o nosso próximo.

Os fins últimos morais que são o que funda o bem e o direito comuns estão tragicamente abalados.

Depois das revoluções em marcha, dos amanhãs que cantam e que contam de tantas madrugadas frescas e claras que falam por demais de gulags e muros de fuzilamento, depois de todas as utopias “progressistas”, da mudança constante com a razão por instrumento e farol, chegámos (derreados) ao novo paradigma da felicidade colectiva em smartphone.

O egoísmo puro e duro e o princípio da atomização do homem.

Do sonho da possibilidade do absoluto e do conhecimento total caímos aos poucos na desgraça do relativismo impassível, que é a outra face de um militante ateísmo.

O homem nunca esteve tão só, tão desprotegido, tão abandonado.

De feto à idade adulta, é descartável e biodegradável como uma telha partida, um cartão velho ou uma couve da horta.

O homem, de casa do ser passou a um processo, que pode ser induzido, refeito, recreado ou mesmo interrompido.

Sem eixo moral, todas as derivas, por mais grotescas que sejam, mesmo se mortalmente perigosas, são possíveis.

O inferno até pode ser anunciado como progresso, mas não deixa de ser inferno.

É este o cenário em termos sociologicamente práticos, a perto de dois anos do final da actual legislatura constitucional.

Quem (evidentemente ao centro e à direita numa união de esforços), quiser ganhar e suceder à actual madorna social-comunista que se governa e nos tala no São Beneditino (des) governo tem de ter a compreensão deste contexto e atalhar caminho.

Retomar e mobilizar perante a sociedade um discurso político e ideológico claro e simples que veja em tudo e tenha em tudo a pessoa comum como o centro, o princípio e o fim da política, e que combata a apneia colectiva que nos é imposta à esquerda pelo e para o predomínio dos interesses de cartel instalados no Estado.

Um sufoco que nos anestesia, depois degrada e no fim aniquila.

O Natal, por óbvias razões, é um óptimo tempo para pensar nisto com tempo.

Boas Festas.

Miguel Alvim é advogado e membro da Comissão Política Nacional do CDS.