Mark Lilla, académico e pensador político situado à esquerda, descreve de forma exímia a ascensão nos anos 70 da “new left” americana, o que posteriormente conduziu a um partido democrata radicado em nichos e políticas identitárias, que para o autor justifica o seu insucesso em passar uma mensagem aglutinadora para o povo americano, sendo assim mais importante a luta individual, da identidade e da guetização das minorias.
Durante os últimos meses temos todos testemunhado acontecimentos no mundo e em Portugal, que voltaram a colocar questões como o racismo, e outras, na ordem do dia. Como no resto do mundo, vivemos tempos de protestos, manifestações, indignações, mas sobretudo de extremismos em que é difícil encontrar um ponto de equilíbrio. Tempos, que para alguns académicos são os tempos dos Filhos de Rousseau, como aqui há pouco tempo li em um artigo intitulado de “A Filosofia da Revolta”.
Ainda esta semana, com o atroz assassinato de Bruno Candé em plena via pública por um octogenário, mesmo sem qualquer investigação ou inquérito policial, foi automaticamente assumido devido às suas contingências, como crime de ódio por motivações raciais um pouco por todas as redes sociais e órgãos de comunicação. Deixo aqui esta questão: não seria mais prudente esperar pelo resultado da investigação policial, para depois, de facto, assumir se foi racial ou não?
Não quero transparecer ao leitor que estou a desvalorizar a questão racial, ou o acontecimento em si, mas sim convidar o leitor a ter uma abordagem mais sistémica ao homicídio. Não podemos assumir directa e inequivocamente, que quando um cidadão branco mata um cidadão negro, ou vice-versa, que o tenha feito, garantidamente, por uma questão de cor de pele, quando até pode ser por quezílias pessoais, ou até motivos fúteis. Ao fazermos estas analogias, facilmente podemos incorrer em juízos morais errados, extremismos, ou mesmo populismos. Pois, por vezes, mais parece que não importa estar do lado da verdade, mas sim do lado da “minha” verdade e da conversão espiritual millenial “woke”, como filho legítimo e digno de Rousseau.
Generalizar que assim seja, sem saber a realidade do acontecimento, e fazer disso estandarte de revolta e indignação sem saber o veredicto da justiça, com uma pitada de aproveitamento sentimental, é, na realidade, aproveitamento político populista de esquerda. Sim, o mesmo populismo que tantas vezes se pode criticar ao CHEGA, estes que apenas estão de acordo quando se acusam de hipócritas um ao outro.
Estamos então numa balança de extremismos, balança esta que não tem conseguido encontrar o equilíbrio. Talvez pudéssemos deixar o nosso “thymos” um pouco de lado e analisar as coisas como elas são, não como queríamos que fossem, tal como Maquiavel nos ensinou.
Temos de analisar quem somos e para onde vamos. Somos dos países com menor criminalidade no mundo e, como disse (e bem) Carlos Guimarães Pinto, não existe qualquer legislação que impeça que alguém assassine ou cometa crimes. O que é importante é não recair nas malhas da generalização, do ódio e da intolerância. Como ele próprio diz, isso nunca trará qualquer tipo de solução.
É de facto imperatório não recair na intolerância das Identidades, como Fukuyama descreveu. O exacerbar do “eu” com o seu carácter emocional, leva à impossibilidade de compromisso, discurso democrático saudável e análise racional dos factos.
Tal como acontece na Física, na Política e Sociologia sempre que há uma reacção, em consequência existirá uma contra-reacção. É daqui que surgem os novos intolerantes, de que ambos os extremos se alimentam, de todas as vezes que nos esquecemos do equilíbrio.