“Somos todos vizinhos agora. Há mais telefones do que seres humanos e perto de metade da humanidade tem acesso à internet. […] O Facebook tem mais utilizadores (1,49 mil milhões) do que a população da China (1,3 mil milhões). O Mundo não é uma aldeia global mas uma cidade global, uma cosmopolis virtual. […] Nunca na história humana houve tanta oportunidade para a liberdade de expressão. E nunca os males da ilimitada expressão livre — ameaças de morte, imagens pedófilas, torrentes de insultos — fluíram tão facilmente através das fronteiras.”

Com estas palavras Timothy Garton Ash abre o seu novo livro, Free Speech: Ten Principles for a Connected World (Yale University Press/Atlantic Books). Foi lançado em Oxford na passada quarta-feira e deu lugar a um animado debate — livre e civilizado — que mostrou não ser impossível discutir tranquilamente os dez princípios propostos pelo autor.

O livro culmina um ambicioso projecto com sede no site freespeechdebate.com da Universidade de Oxford. Apresenta estudos de caso, entrevistas em video, análises e comentários pessoais de todo o mundo, e convida ao debate online. Boa parte destes conteúdos está traduzida em treze línguas (incluindo Português), o que o torna linguisticamente acessível a dois terços dos utilizadores mundiais da internet.

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Timothy Garton Ash viajou também pelo mundo para apresentar o projecto e ouvir as opiniões de audiências diversas, do Cairo a Berlim, Pequim a Nova Deli, Nova Iorque a Yangon. Com base nesses diálogos presenciais e também no site, Tim foi reformulando os seus princípios e sobretudo ajustando a sua formulação.

O resultado é uma proposta ambiciosa cuja tese central é que “a forma de viver bem em conjunto neste mundo-como-cidade é ter mais e melhor discurso livre”. Dessa tese emergem os dez princípios que o livro discute em detalhe. Os dois primeiros são, segundo o autor, os mais importantes:

  1. Força-vital: Nós — todos os seres humanos — devemos ser livres e capazes de nos exprimir, bem como de procurar, receber e transmitir informação e ideias, independentemente de fronteiras.
  2. Violência: Não fazemos ameaças de violência nem aceitamos intimidações violentas.
  3. Conhecimento: Não aceitamos tabus contra o conhecimento e usamos todas as oportunidades para a transmissão de conhecimento.
  4. Jornalismo: Requeremos meios de comunicação social sem censura, diversos e fiáveis para que possamos tomar decisões bem informadas e participar integralmente na vida política.
  5. Diversidade: Expressamo-nos abertamente e com civilidade robusta acerca de todos os tipos de diferenças humanas.
  6. Religião: Respeitamos o crente, mas não necessariamente o conteúdo da crença.
  7. Privacidade: Devemos ser capazes de proteger a nossa privacidade contra calúnias sobre a nossa reputação, mas não de impedir o escrutínio do que seja do interesse público.
  8. Secretismo: Devemos poder desafiar todos os limites à liberdade de informação, incluindo os que são justificados com base na segurança nacional.
  9. Icebergs: Defendemos a internet e outros sistemas de comunicação contra intervenções ilegítimas de poderes públicos e privados.
  10. Coragem: Decidimos por nós próprios e assumimos a responsabilidade pelas consequências.

Timothy Garton Ash esclarece que não apresenta estes dez princípios como se eles partissem de “uma espécie de olhar universal desenraizado, vindo de nenhum lugar ou de todos os lugares”. Assume um “ponto de vista firme” que se orgulha de chamar liberal e de argumentar em sua defesa. Esse ponto de vista assenta na tradição ocidental, mas dirige-se a todas a culturas e está aberto ao diálogo com pontos de vista diferentes.

Na verdade, o livro é apenas o começo de uma conversação acerca dos princípios que devem nortear o discurso livre e civilizado no mundo global. A 29 de Junho, Timothy Garton Ash virá a Portugal apresentar o seu livro na 24ª edição anual do Estoril Political Forum, promovido pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.

Talvez não apenas por coincidência, o tema deste ano é “A democracia e os seus inimigos: novas ameaças, novas possibilidades”. A sessão de Garton Ash será presidida por Manuel de Araújo, presidente da Câmara de Quelimane, Moçambique.