Esta semana, ficámos com a lista completa dos eventuais candidatos à Presidência da República. E uma pergunta é óbvia: porque é que o PS não tem um candidato? Para muitos, no entanto, a resposta é ainda mais óbvia: com o presidente actual, para que precisaria de outro? Não, não vou dizer que o actual presidente não tenha colaborado com o governo. Mas pensem bem. O PS é poder em Portugal há vinte e cinco anos. Não há qualquer sinal de que o seu apetite para mandar em tudo tenha diminuído. Nos últimos tempos, vimos isso com a Procuradoria Geral da República, o Tribunal de Contas, ou o Banco de Portugal. Porque é que a Presidência da República tem de ficar de fora, como único escape para quem não é socialista?
Aliás, o abstencionismo presidencial socialista não é de agora. Façam as contas: há vinte anos que o PS não apoia um candidato presidencial a quem as sondagens concedam uma possibilidade real de ganhar. Mesmo em 2011, já em guerra aberta com Cavaco Silva, o PS tentou enfraquecê-lo, mas não substituí-lo. Nenhuma sondagem, na caminhada para essas eleições, pôs Manuel Alegre, o candidato do PS, a uma diferença de menos de trinta pontos percentuais de Cavaco Silva, e nenhuma indicou que poderia haver uma segunda volta, isto é, o desafio socialista ao incumbente nunca foi minimamente credível.
Dirão alguns: a Presidência da República não interessa. Como assim? Um órgão de soberania eleito por sufrágio universal, com poderes para dissolver a Assembleia da República e convocar novas eleições, não interessa a quem pretende manter-se no governo e dominar o Estado? É preciso lembrar o papel do presidente Jorge Sampaio, em 2004-2005, na destruição da maioria absoluta PSD-CDS e no regresso inesperado do PS ao poder?
Também não chega dizer que houve azar, e que, simplesmente, o PS não arranjou nenhum bom candidato presidencial. Em quatro eleições sucessivas? Como diria Oscar Wilde, não descobrir um candidato credível uma vez pode ser um infortúnio; não encontrar nenhum candidato credível quatro vezes seguidas, já parece negligência.
Há uma primeira explicação para esta negligência. Todas as eleições presidenciais desde 2001 caíram em anos em que o PS estava no governo, em 2006, 2011, 2016 e 2021. Em nenhum desses anos, o líder do PS e primeiro-ministro mostrou interesse em trocar o seu lugar pela Presidência da República. Mas também talvez não tenha tido nenhum interesse em colocar outro socialista na presidência, capaz de suscitar dúvidas sobre quem era, de facto, o líder da situação. O caso de Jorge Sampaio é a excepção: em 1996, já tinha lançado a candidatura há muito tempo, e em 2001, claro, já era o presidente. Um candidato presidencial com aspirações a ser o presidente de todos os portugueses, isto é, a não ser o chefe de uma nova maioria, é um risco menor, mesmo que eleito pelos partidos da oposição, como Cavaco Silva e o actual Presidente da República. Por outro lado, o PS já provou saber lidar com um presidente que ache ser-lhe hostil, como se viu com o cerco montado a Cavaco Silva entre 2009 e 2011.
Mas há uma razão mais forte para o abstencionismo presidencial socialista. Na história da democracia portuguesa, as eleições presidenciais foram frequentemente aquelas que mais dividiram os portugueses. Em 1980, quando o general Eanes enfrentou o candidato da AD, o general Soares Carneiro; em 1986, na segunda volta, entre Mário Soares, apoiado pela esquerda, e Freitas do Amaral, apoiado pela direita; e, depois do significativo intervalo de 1991, outra vez em 1996, entre Cavaco Silva e Jorge Sampaio, quando mais uma vez toda a direita se uniu atrás de um candidato e toda a esquerda atrás do outro. Não houve eleições mais dramáticas, em que os eleitores se separassem tão distintamente em dois blocos, e em que o futuro parecesse estar tanto em causa. Actualmente, mais depressa umas eleições presidenciais voltariam a ser assim, do que umas eleições legislativas, devido à pluralidade e dispersão das escolhas em eleições legislativas e à incerteza das subsequentes combinações parlamentares.
Ora, o Partido Socialista não está naturalmente interessado em suscitar eleições como as de 1980 ou de 1986, tal como Cavaco Silva não esteve em 1991. E desde 2015, ainda menos. Em 2015, o PS fez a “maioria de esquerda” que o PCP pedia desde 1976. Mas significativamente, adoptou logo o termo “geringonça” para designar essa situação, retirando-lhe assim qualquer outro alcance político que não o de um arranjo parlamentar ocasional para manter um governo minoritário socialista. O pior que lhe poderia acontecer agora era que à “geringonça” correspondesse de repente um candidato presidencial comum, que só poderia ser um candidato do PS, num confronto com um candidato comum da direita. O risco de uma derrota ainda seria o menos. Ao PS não convém dividir o país entre a direita e a esquerda e ficar colado ao PCP e ao BE, mas cultivar a confusão necessária para poder ser tudo para todos, e pescar votos em todas as bancadas da Assembleia da República.
Não sei se o PS confia no actual Presidente da República. Mas mesmo que confie tanto como alguns dizem, não é por isso que o PS não tem candidato próprio. É porque não lhe dá jeito nenhum, sobretudo em “geringonça”, uma eleição como as de 1980 ou de 1986. O PS domina o Estado há vinte e cinco anos evitando divisões e debates clarificadores. O poder socialista nunca quis, sobre nenhuma grande questão, ter uma posição firme e transparente. Limita-se a estigmatizar qualquer alternativa ao seu domínio como a opção de uma minoria radical: há dez anos, o perigo era o “liberalismo”; agora, é o “populismo”. Neste momento, é óbvio que lhe dá jeito uma eleição presidencial em que todos os candidatos sejam normalizados como “sociais democratas”, incluindo comunistas e neo-comunistas, menos um: André Ventura. Como já se percebeu, a oposição ao governo vai ser toda identificada com a votação de André Ventura.