É da tradição, quando o carrossel dos debates eleitorais começa a rodar, que empresas de sondagens e jornalistas perguntem aos cidadãos se os “problemas” do país estão a ser discutidos. Invariavelmente, a resposta é que não. A este respeito, discordo dos meus concidadãos. Os problemas do país estão a ser discutidos. O que não está a ser discutido é – o grande problema do país: quem manda. O que é bizarro, quando se pensa que é precisamente esse o único problema que umas eleições podem directamente resolver.

Desde 1995, há quase 30 anos, manda o Partido Socialista. Os interlúdios desse domínio consistiram em episódios de emergência financeira externa, de modo que podemos dizer que a democracia portuguesa, por si só, deixou de gerar alternância no governo. É um grande problema, e todos os outros problemas do país derivam, em grande medida, desse grande problema. Para se manter no poder, o PS, com o apoio de comunistas e neo-comunistas, criou um Estado desproporcionado, intrometido e capturado, que tolhe a economia e é cada vez menos capaz de garantir serviços públicos. O poder socialista importou ainda a cultura woke norte-americana, com a qual começou a subverter a liberdade de expressão e a coesão nacional. Desmantelar o poder socialista não é um remédio mágico para todas as agruras e dilemas: mas é um meio de mudar o contexto da vida em Portugal, fazer entrar ar e luz numa casa fechada há demasiado tempo, e obter liberdade para perceber os problemas e conceber soluções. É por isso que a dificuldade de gerar uma alternativa de governo ao PS é, neste momento, o grande problema.

Essa dificuldade não é o resultado de um destino ou de uma qualquer deficiência nacional. É um artefacto político. Foi criada e organizada pela oligarquia socialista. Primeiro, ao segmentar a sociedade portuguesa, de modo a fazer assentar o poder no medo e nos interesses imediatos dos dependentes do Estado. Segundo, ao aproveitar a recomposição da direita parlamentar para inventar uns novos anos 30, de modo a reduzir o debate político à questão do “populismo”.

Para desgraça de todos, os partidos que representam a tradição da direita reformista e pretendem, unidos numa nova AD, protagonizar a alternativa ao PS, não souberam escapar a essas armadilhas. A sua prioridade é a “reconciliação” com os pensionistas, aceitando assim a segmentação socialista da sociedade portuguesa. A sua grande promessa é não fazer acordos com o Chega nem depender do Chega, quando o estado do país exigia, em vez disso, que prometessem não fazer acordos com o PS nem depender do PS, isto é, dar garantias de que uma eventual mudança de maioria parlamentar e de governo corresponderá sempre a uma efectiva mudança de poder.

É verdade que a evolução do sistema partidário favoreceu o poder socialista. À esquerda, PCP e BE são agora pequenas redundâncias do PS, a sonhar com geringonças: todos são hoje Rui Tavares. À direita, pelo contrário, estabeleceu-se um mercado muito excitado de influência e de votos, em que, para os mais sonhadores, até o primeiro lugar do pódio estará em causa. Todos parecem convencidos de que esta é a hora de disputarem espaço entre si, e não de contribuírem para a credibilidade de uma alternativa ao poder socialista.

Temos assim estes debates, saturados de “propostas” e de “medidas” em que pouca gente acredita e de que ninguém guarda memória. Discutem-se todos os “problemas”, os reais e os imaginários. Não se discute o único problema que poderia ser resolvido numas eleições: substituir quem manda há demasiado tempo.

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