Regressado de férias, senti por uns momentos o que deve ter sentido Rip Van Winkle, quando percebeu que a sua sesta durara duas décadas. Toda a gente discutia as eleições presidenciais, como se fosse 2026. Teria eu estado fora duas semanas, ou dois anos? Mas ao contrário do mítico americano, a quem o longo sono fez perder a fundação dos EUA, as férias não me fizeram perder muita coisa. Discute-se as presidenciais de 2026, tal como se poderia discutir as europeias de 2024 ou as autárquicas de 2025, apenas porque nada mais há realmente para discutir este ano. Não, não é ridículo, nem justifica os esforços de engraçadismo que hoje passam por comentário político.

Que discutir, em vez das presidenciais de 2026? A estagnação da economia, disfarçada pelo turismo? Os preços da habitação? Uma das mais altas taxas de inflação anual da Europa? O enorme esforço fiscal, que mesmo assim não impede a dívida do Estado de crescer (292 mil milhões de euros de dívida directa em Julho de 2023, segundo o Banco de Portugal, isto é, mais 12 mil milhões do que no ano anterior)? A degradação do SNS e da escola pública? A emigração dos diplomados? Para quê? O que é que, em relação a cada um desses assuntos, já não dissemos? Resta-nos falar das eleições dos próximos anos, como quem, à deriva no mar, tenta descortinar terra forçando o olhar sobre o horizonte.

Desde 1995, que o Partido Socialista manda em Portugal, inclusivamente quando não governa, porque sempre que outros partidos passaram pelo governo, passaram tão brevemente e em circunstâncias tão apertadas que nunca puderam desmontar a máquina de poder socialista: por isso, o que PSD e CDS puderam fazer, entre 2002 e 2005, ou entre 2011 e 2015, não foi muito mais do que restabelecer equilíbrios financeiros que logo serviram para viabilizar a retoma do governo pelo PS. Neste momento, as garantias do BCE nem sequer permitem prever a repetição das aflições que provocaram alternância no governo em 2002 ou 2011. Protegido pelo BCE, o poder socialista domina o país como nenhum outro grupo o dominou neste regime. Ocupa o Estado e as instituições, controla as empresas e a comunicação social, fomenta a dependência do Estado como modo de vida, e depois clienteliza as massas que vai condenando a essa dependência. Tem sido uma fórmula eficaz. Perante isto, faz todo o sentido discutir eleições futuras.

É que não serão os mercados, como em 2002 ou em 2011, que vão mudar o governo. Têm de ser os políticos. Políticos que acreditem, e que façam acreditar que as coisas não têm de ser assim, e podem ser muito melhores. Políticos que provem ser mais competentes, e mais sérios do que a clique endogâmica do Partido Socialista. Políticos capazes de tornar as eleições presidenciais e legislativas de 2026 numa grande encruzilhada, em que o país seja convocado a escolher: ou reformas, ou declínio. Sim, dependemos disto: de políticos com força e credibilidade para fazerem sentir ao país que está num momento histórico, na última hora antes da decadência provocada pelo poder socialista se tornar irreversível.

Mas a discussão sobre candidatos presidenciais revelou o quão pouco estamos preparados para esse momento. Lá nos foi recomendada outra vez, como candidato ideal, a figura cansada do comentador televisivo que há anos sorri para toda a gente, com muito cuidado para não se comprometer nem ofender ninguém. Acontece que já experimentámos, e já vimos no que deu: João Galamba a rir-se no governo. As eleições de 2026, presidenciais e legislativas, só terão importância se, perante a muralha socialista, aparecerem candidatos sem medo de se comprometerem e sem medo de perderem, e por isso com força para suscitarem nos portugueses um sobressalto cívico. Porque se não for assim, não será de outra maneira.

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