Vamos entender-nos: se eu disser que a Europa não pode acolher toda a imigração ilegal da Ásia ou da África sem subverter o seu modo de vida – sou racista, mesmo que não acredite na inferioridade de qualquer “raça”, ou até nem acredite na ideia de “raça”. Mas se clamar que os turistas estrangeiros estão a destruir as nossas cidades — não sou nem sequer xenófobo, mesmo que recorra aos lugares comuns do ódio.
Não estou a dizer que o turismo, à escala que entretanto tomou em países como Portugal ou Espanha, com as viagens baratas e o jihadismo no Próximo Oriente, não tenha consequências. O turismo transformou o Algarve, e promete agora transformar Lisboa, por exemplo aumentando o gosto e o custo de viver no centro. Mas a imigração ilegal para a Europa também explodiu nas últimas décadas e o seu efeito não é menos transformador, como se vê pelos bairros islamizados do norte da Europa, onde os antigos residentes já não têm lugar.
Não estou a comparar imigração e turismo. Estou apenas a perguntar porque é tão arriscado criticar a imigração ilegal, com o perigo de ser imediatamente identificado como um novo Hitler, e porque, ao contrário, é de bom tom lamentar o excesso do turismo, parecendo por vezes até justificado o uso de alguma brutalidade, como faz a esquerda radical na Catalunha, com a compreensão do Podemos em Madrid.
Uma parte da resposta está nos mais vociferantes protagonistas da discriminação entre imigrantes e turistas: a esquerda radical de tipo catalão, actualmente instalada em vários níveis de governação no sul da Europa, de Portugal à Grécia. Depois de perderem a classe operária, que hoje vota Trump ou Le Pen, os radicais descobriram a pobreza do Terceiro Mundo como a nova carne para canhão das revoluções. Ao princípio, sob a forma distante das “massas camponesas” e dos seus guerrilheiros. Agora, sob a forma próxima das “minorias étnicas” dos guetos urbanos ocidentais. Nada como os imigrantes para expor o “racismo” e o “exclusivismo” dissimulados nas democracias: por isso, quantos mais imigrantes, melhor. Pelo contrário, os turistas são a face mais hedionda do capitalismo. Para um radical, lembram sempre aquela democratização da riqueza que permite a cabeleireiras inglesas ou a taxistas franceses irem tirar selfies ao Chiado.
Mas se o radicalismo cultiva agora o ódio ao turista, é também pelo seu eco nas classes médias das cidades de destino. Os imigrantes ilegais são pobres. Para além de justificarem comiseração, incomodam sobretudo os mais pobres, com quem competem pelos mesmos serviços de assistência, os mesmos bairros sociais, e os mesmos empregos não-qualificados, cujos salários, aliás, fazem descer. Para as classes médias, os imigrantes são tão excelentes como para os radicais: por um lado, servem-lhes para exibir uma tolerância que os distingue do povinho xenófobo; por outro lado, são uma grande reserva barata e obediente de empregados domésticos e au pairs. Os turistas, pelo contrário, são um estorvo para as classes médias: disputam-lhes os bairros interessantes, os melhores restaurantes, as praias da moda. Pior: a sua concorrência tende a aumentar os preços, como no caso do alojamento urbano, fazendo a classe média sentir-se empobrecida. Pior ainda: são frequentemente jovens e plebeus, com uma inconsciência de protocolo e da etiqueta que fatalmente estragam a “exclusividade” de qualquer ambiente: nada como um turista de calções e chinelos e queimado da praia, a falar alto na mesa ao lado, para tirar charme à refeição especial num restaurante recomendado.
É por isso que criticar o excesso da imigração ilegal nos põe logo a par de Trump, enquanto insultar e agredir turistas nos permite continuar a ser pelo menos tão respeitáveis como o conselheiro de Estado Louçã.