Não deixa de ser espantoso que tenha sido o futebol, esse fenómeno que cada vez mais se afasta da realidade e da sua essência desportiva, a trazer o tema racismo para a agenda mediática deste país. Um país que, recorde-se, algumas semanas antes pouca atenção prestou e importância deu ao facto de um deputado ter mandado outra deputada para a terra dela, por escrito e sem margem para interpretações díspares.
Marega surgiu assim como uma espécie de wake up call para o profundo sono da indiferença em que muitos portugueses vivem.
Os portugueses, genérica e maioritariamente falando, gostam de se achar não racistas, talvez por acharem que apenas estamos perante racismo quando a discriminação envolve simultaneamente violência física, talvez porque nunca sentiram na pele a discriminação racial ou talvez por viverem numa espécie de reminiscência do “lusotropicalismo” do Antigo Regime que apela a uma ideia de português tolerante e a quem não incomoda a miscigenação.
Várias são as possíveis razões para essa perceção, sendo que algo me parece incontornável: essa perceção é errada.
Digamos que “Portugal não é um país racista” (como muitas vezes lemos e ouvimos) mas está cheiinho deles.
O que normalmente os racistas fazem por cá é não dar a mesma oportunidade a um negro que dão a um branco. É pensar duas vezes antes de se sentar ao lado de uma pessoa negra no comboio. É chamar “preto” ou “macaco” ao jogador de futebol x e sempre no contexto supostamente desculpabilizante do ambiente de estádio de futebol. É dizer que “aquele preto cheira a catinga”.
Já ouvi várias vezes, ninguém me contou.
Em suma, são pessoas que acham, consciente ou inconscientemente, que o branco é uma pessoa, mas o preto é apenas o preto antes de ser mais alguma coisa.
Um estudo de 2014 do European Social Survey mostrou que, em Portugal, uma parte significativa da população considera que:
- Há raças inferiores a outras;
- Há raças menos inteligentes que outras;
- Há raças menos trabalhadoras que outras.
Apesar de os números serem de 2014, nada nos leva a crer que atualmente sejam melhores.
Aliás, a tendência é a de piorarem, a julgar pela ascensão de um partido cujo líder não deixa passar uma oportunidade para estar do lado errado da história e do bom senso, com o patrocínio de uma ou outra estação de televisão.
Portugal não está a prestar a devida atenção ao fenómeno racismo e tem perdido oportunidades para, pelo menos, mostrar vontade de o querer combater.
Em Junho do ano passado decidiu-se não avançar para a inclusão de uma pergunta sobre a etnia dos cidadãos nos censos de 2021.
Como é óbvio, foi uma péssima decisão, tendo sido perdida a chance para perceber a origem dos habitantes do país, não como forma de potenciar a discriminação, mas precisamente o oposto. Apenas conhecendo e reconhecendo que há padrões étnico-sociais associados ao rendimento das pessoas é que é possível combater o fenómeno.
A discriminação não se combate ignorando que ela existe.
Pode ser que o abandono do relvado de Marega tenha servido para alguma coisa mudar. Talvez as pessoas estejam agora mais despertas para a ocorrência destes casos. Temo, no entanto, que a indignação se perca na espuma dos dias e no fanatismo clubístico.