Lá vai o tempo em que Portugal era um dos países com mais visão e coragem do mundo. Passaram-se cinco séculos em que fomos perdendo a visão e parece que, cada vez mais, temos menos capacidade de a recuperar…

Nos últimos dias, tenho visto um arremessar de culpas permanente entre duas fações. De um lado, os que culpam o Governo pela situação a que chegámos com esta pandemia, do outro, os que culpam o comportamento dos Portugueses nos últimos meses. Mas não é óbvio que a culpa é de quase todos? Ou não estávamos em primeiro lugar do ranking da Covid, que é simultaneamente o ranking do país mais estúpido a lidar com esta situação. Não é por acaso, que Portugal é hoje um dos países mais dependentes de outros países para subsistir, que é praticamente o país mais pobre da Europa e onde as pessoas ficam totalmente fragilizadas economicamente numa situação como esta. Mas isto leva-nos a outra discussão, em que eu não quero entrar agora.

Quero falar de culpa e de visão.

Para mim, o Governo tem culpa, porque teve sete ou oito meses para preparar as vagas de inverno e, numa altura em que só existia pandemia na agenda política de Portugal, não o fez. Porque adotou uma estratégia de não é carne nem é peixe, por um lado, para não afetar mais a economia, por outro, para ir fazendo parcialmente a vontade às opiniões de alguns Portugueses. Porque, praticamente, está a tomar decisões apenas com base na opinião de médicos e políticos. Porque confiou nos Portugueses e achou que eles iam ficar todos fechadinhos em casa como em março do ano passado. Porque tem um modelo governamental desatualizado da realidade dos dias de hoje. Porque tem políticas para o país, que faz com que ao menor apertão, não tenhamos capacidade de resistir economicamente, o que nos leva a ter de decidir entre a morte ou a bancarrota.

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Para mim a estratégia teria sido:

  • Testar o máximo possível nas escolas, nas empresas, nos lares, nos hospitais não Covid antes do Natal em família, introduzir os testes na sociedade com recorrência e sem custos, testar, testar, testar, privilegiando os testes rápidos (ok, não são 100% eficazes, mas o que é 100% eficaz?). O dinheiro investido em milhões e milhões de testes seria, garantidamente, muito menos do que os valores já gastos na saúde durante estes meses todos, em apoios a muitas empresas e muito menos do que irá custar a globalidade das consequências económicas que isto vai trazer ao país.
  • Lançar campanhas de comunicação muito fortes para convencer os Portugueses a reduzirem alguns comportamentos de verdadeiro risco e não continuarem a fazer jantares com não sei quantas pessoas. Portugal tem algumas das melhores agências criativas do mundo, que certamente poderiam ter um papel determinante no desenvolvimento de campanhas para o Governo. Toda a gente já percebeu que isto não se passa (em escala) nas escolas até aos 13 anos, que não se passa nos passeios higiénicos no jardim ou à beira-mar, num piquenique na mata ou a fazer surf no mar. O contágio é feito através do contacto social de adulto para adulto, portanto, é aí que temos de meter todas as fichas!
  • Isolar os mais idosos, mas com apoio social permanente, para reduzir as consequências desse isolamento forçado. Num país cheio de fundações, misericórdias e uma série de organismos de ação social, não se consegue montar uma estratégia de apoio aos idosos numa altura destas? Pergunto: para que é que servem, então?

Mas, como disse, a culpa não é só do Governo. Eu sei que as pessoas estão fartas de viver confinadas, semiconfinadas, com restrições constantes à liberdade – que eu não sou a favor -, sei também que foram todas mais do que exemplares no início da pandemia, ficando em casa, com todas as consequências que isso trouxe. Mas, com caraças (para ser simpático), acham mesmo que há necessidade de fazer festas em bares clandestinos com 50 pessoas e de fazer o jantarinho só com 10 amigos? Na noite de fim de ano, a Uber bateu recordes de utilização, pelo menos em Lisboa e Cascais. Há muito tempo que não tinham tanto trabalho. Foi a ilusão da vacina a chegar que nos retirou a visão? Não. O Governo não foi eficaz e tem culpa, mas há muitos Portugueses que não lhe ficam atrás. A culpa é de um país que foi perdendo a visão e que agora vai morrer na praia!

Vamos morrer na praia (mas não literalmente, pois nem sequer podemos lá ir)….