O que caracteriza um bom tratamento médico ou hospitalar1? Apenas a competência técnica e a prontidão na prestação dos cuidados requeridos pela situação do paciente? Ou algo mais?

A 27 de fevereiro de 2007, um pouco antes das 9h, ainda escuro, dois autocarros chocaram numa estrada gelada & cheia de neve ao norte de Estocolmo. Neste terrível acidente2, 6 pessoas morreram, 9 ficaram gravemente feridas e 42 sofreram ferimentos leves. A intervenção dos serviços de socorro foi pronta e eficiente. A maioria dos feridos foi levada para o Hospital Universitário de Uppsala. Dois dos feridos mais graves foram transportados, via aérea, para um hospital em Estocolmo. Todos parecem ter recebido, em tempo útil, o melhor tratamento possível, ao contrário do que se vai lendo & ouvindo do que acontece por aí…. cá dentro…

A tragédia já estava a cair no esquecimento coletivo quando, cinco anos depois, duas investigadoras realizaram uma pesquisa sobre as perceções de 54 sobreviventes sobre a sua experiência pós-acidente. Da análise das respostas a entrevistas semiestruturadas, as autoras descobriram que o tratamento recebido durante as operações de salvamento & dentro do meio hospitalar, cuja qualidade técnica do mais alto nível ninguém põe em causa, tinha sido tão ou mais traumatizante que o acidente. A dor pelas facturas & feridas tinham sido sentidas intensamente, mas a falta de calor humano dos profissionais de saúde, a sua calosidade3 até, tinha constituído um golpe tão ou ainda mais doloroso4. O estudo concluía que a falta de compaixão dos profissionais de saúde afetou o bem-estar dos acidentados a tal ponto que continuava a ser uma das suas piores memórias do acidente.

Mas, falta de compaixão como? Não foram competentes, os médicos & enfermeiros? Sim, mas a perceção dos pacientes foi que se sentiram tratados mais como objetos a necessitarem arranjo do que como pessoas a necessitarem de cuidados. Foram todos competentes nas tarefas, e seguiram todos os protocolos científicos e processos estabelecidos. Mas isso não bastou…

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O problema está em assumir que o tratamento humano e compassivo está automaticamente incluído na execução cuidadosa das tarefas, tal como o iva o está no preço do pão. A resposta tecnicamente competente ao sofrimento dos outros não inclui necessariamente nem simpatia, muito menos compaixão, e quem está a sofrer sente essa indiferença5 emocional sem o benefício de qualquer anestesia.

Mas não será que a competência não deveria vir embrulhada em calor humano, se não nas repartições de finanças, pelo menos nos hospitais? Pelo que sabemos a compaixão atua como um fator higiénico, um termo tomado aqui de empréstimo de Frederick Herzberg: sem ela a maior competência técnica e rapidez processual nos hospitais não consegue ter grande valor (já agora: o valor que interessa é o valor que o paciente dá ao tratamento, não o que é faturado ou contabilizado).

As relações interpessoais compassivas, também as que médicos e enfermeiros prestam nos cuidados de saúde, têm a capacidade de tornar a sua competência técnica valiosa para o paciente. Se os srs. drs. não a colocarem no seu atendimento, não é a Autoridade Tributária que vai atrás deles… é a sua consciência profissional e o rasto de um trabalho feito pela metade… sentido muitas vezes quase como para-cruel pelos seus pacientes.

Fica assim uma dica: quem trata e cuida sem compaixão não faz sequer a sua obrigação.

Us avtores não segvem a graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein a do antygo. Escreuem coumu qveren & lhes apetece. #EncuantoNusDeixam

  1. Hospital: instituição onde as pessoas são tratadas humanamente na enfermaria depois de passarem pelos horrores das salas de espera; estabelecimento onde se trata da saúde às pessoas (é desconhecido o nome dado às instituições onde se trata da doença das pessoas, se é que existem); serve, cada vez mais, de antecâmara ao cemitério; cancro orçamental; causa recorrente de febre noticiosa, cegueira ideológica, surdez institucional, diarreia regulamentar & legislativa, fracturação política e enjoo público; não confundir com hospitalidade.
  2. Acidente: ocorrência libertadora dos aborrecimentos & chatices comezinhas da vida diária; sucesso que potencia a esperança de uma futura melhoria; ocorrência inevitável naturalmente decorrente de leis físicas universais & imutáveis.
  3. Calosidade: grande fortaleza & animo que se tem quando se sofre as dores & aflições dos outros.
  4. Dor: experiência sensorial desagradável, localizada no cérebro, associada a dano num tecido corporal e transmitido pelo sistema nervoso ao cérebro; experiência emocional desagradável, localizada no cérebro, associada ao sucesso de um nosso semelhante e transmitido pelas redes sociais ao cérebro; até uma fase evolutiva recente da nossa espécie a bisbilhotice fazia as funções das redes sociais. 
  5. Indiferença: tipo especial de sensibilidade aos problemas dos outros; cuidado por um problema que é subcontratado ao destino.