Nos últimos dias, muita gente tem submetido o chamado “politicamente correcto” à análise ou ao humor. Falta talvez pensar nisto: como deve um cidadão comportar-se quando lhe acontece cair no radar dos cabos de esquadra da correcção política?
Antes de mais, é preciso compreender o que pretende essa incansável guarda fiscal. O politicamente correcto não aspira a criar um novo consenso. A sua única razão de ser é denunciar e estigmatizar, e por isso o seu alvo não são tanto as atitudes ou as opiniões a propósito disto ou daquilo, mas certas categorias: brancos, europeus (ou norte americanos), classe média, heterossexuais, homens, ou quem quer que não seja de esquerda … Por mais que diga, por mais que faça, quem por acaso cair num desses compartimentos será sempre racista, imperialista, elitista, homofóbico, misógino ou fascista, não por causa das suas atitudes para com as pessoas de outra raça, de outra classe, de outra orientação sexual, de outro género ou de outra persuasão política, mas muito simplesmente por causa de quem é. Se atacado, o cidadão não se apoquente, portanto, a pensar no que fez e não devia ter feito, ou no que disse e não devia ter dito. Lembre-se apenas de quem é. Porque é nisso que os seus perseguidores estão a pensar.
Dir-me-ão: mas a maior parte dos vigilantes do politicamente correcto são originários de alguns dos grupos suspeitos. Exactamente. Mas do ponto de vista do politicamente correcto, a única maneira de escapar ao pecado original está no frenesim da denúncia, na fúria de zombies com que os convertidos acossam aqueles que ainda não estão infectados. É essa a única redenção: entregar-se totalmente à intolerância, participar furiosamente nas perseguições.
Imaginemos que o cidadão não está disponível para aderir desta forma sem retorno. Que deve fazer, então? Para começar, há dois tipos de erros que lhe convém evitar. O primeiro é tentar ser perdoado ou aceite: mostrar-se, quando alvejado, muito embaraçado, muito arrependido e pedir muita desculpa; ou então, tentar provar que, embora membro de uma tribo duvidosa, “não é como os outros”, por exemplo, condenando por sua vez quem, naquela semana, a milícia politicamente correcta está a condenar. São duas manobras ridículas e ineficazes, porque — é preciso repetir –, o politicamente correcto não tem como alvo preconceitos ou discriminações, mas determinados grupos previamente marcados como suspeitos. Se o cidadão pertence a uma das categorias perigosas, poderá até ser temporariamente cumprimentado, se por acaso se tornar útil no tormento de um correligionário, mas, a menos que se converta totalmente, nunca deixará de ser, para os verdadeiros crentes, aquilo que é. Terá, portanto, sempre razões para recear que a matilha com quem caçou se volte contra si mais tarde ou mais cedo. Roma não pagava a traidores, e o politicamente correcto também não.
O outro erro é – chamemos-lhe assim – o “politicamente incorrecto”. É quando o cidadão acossado, em vez de recuar, avança pelo caminho aberto pelos seus acusadores, e passa a exagerar as atitudes e os comentários supostamente escandalosos. A intenção até pode ser a de forçar fronteiras ou violentar “tabus” (como é costume dizer). Mas o risco é acabar por tombar numa espécie de politicamente correcto virado do avesso. Na prática, trata-se, apesar do aparato de provocação, de uma manobra defensiva, como a do bobo que, na corte, procura a impunidade através do excesso truanesco. É apenas outra forma de se proteger e escapar.
O politicamente correcto é uma batota, um jogo viciado, que as suas vítimas estão condenadas a perder. O ponto, portanto, é não jogar. Não pedir desculpa, não se justificar, não ceder, não alinhar, não provocar — não dar conversa. Havia erro? Corrigir naturalmente. Estava certo? Manter sem inibições. Nada há de tão efectivo contra a urticária do politicamente correcto como isto: informar-se, reflectir e não desistir da ideia de um debate regrado.