A esquerda portuguesa está a perder acutilância e instinto político. Não falo no único populismo que temos, o do Bloco de Esquerda que não fundamento porque não o fomento, nem de um dos únicos partidos do Mundo Ocidental que se fechou na ortodoxia primária de apoiar Governos ou acções políticas como as da Venezuela ou da Coreia do Norte. A coerência, quando é feita de coisas más, não pode ser nunca estimável. É uma teimosia arrogante, sem sentido do perdão e do efeito libertador que nos é proporcionado pelo arrependimento. Falo, outrossim, do resto da esquerda democrática, que não circunscrevo nem caracterizo por nela caber quem se sentir lá bem.

Essa esquerda para não parecer ficcional ou desligada das realidades que culminaram com a queda do Muro de Berlim e fizeram cair a máscara da génese e do princípio fundacional do marxismo-leninismo e das políticas socioeconómicas que lhe deram origem, tem que perspectivar novos elementos diferenciadores com substância e densidade política, precisamente para não correrem o risco de se deixarem cair no populismo que explora e alimentar a fragilidade dos povos.

Um desses elementos diferenciadores é a cultura. E falo até menos da cultura erudita, tradicionalmente entregue aos Mecenas da Corte ou, na projecção do tempo, aos Capitalistas Conscientes que perceberam que o valor apreendido de forma individual tem que ser posto ao serviço do colectivo. Falo da cultura popular – a que está genuinamente enraizada na tradição de uma comunidade ou de uma Nação.

É a esse capital simbólico e identitário, tantas vezes esquecido e menorizado, a que a esquerda democrática tem que ir buscar as razões do seu instinto e da sua diferenciação futura.

A esquerda democrática em Portugal escolheu uma ministra da Cultura populista. Que vai, sim, fazer o papel daqueles a quem os portugueses felizmente consideram que não “Podemos” entregar o poder.

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Ao tomar, na condição de governante, a posição pública contra as touradas e contra a imensa tradição cultural e económica que delas emana nalgumas regiões do nosso País, mostra ignorância e falta de sensibilidade para entender o que é a cultura na sua formulação mais genuína e, ao contrário, impõe uma outra cultura construída no populismo urbano, de quem nunca entendeu a natureza – as suas regras e o seu pulsar.

E o que sabe acerca da vida animal está confinado ao capricho de exibir um Golden Retriever, selvaticamente enjaulado num qualquer T3 de Lisboa, a quem julga tratar com o mesmo desvelo, humanidade e justiça com que trata o filho mais velho.

A única forma de preservar a vida animal é conhecer o seu âmago mais profundo, onde se inclui uma diversidade exuberante e uma natureza tão pronunciadamente individualizada que relativiza os conceitos de sofrimento ou crueldade e nos remete para outros mais seguros, de respeito, nobreza e percepção da natureza das coisas e do equilíbrio que a soma das naturezas deve gerar, para criar uma Natureza maior cuja harmonia, vocação e carácter devem ser escrupulosamente respeitados.

Sem hipocrisias ou populismos, só devia poder pronunciar-se sobre a natureza quem tem um profundo conhecimento vivencial do que ela é e do que ela importa. Os cuidadores da natureza são invariavelmente os que participam nas regras que ela contém. Vou ser explícito para não haver espaços de dúvida: sem caçadores não havia caça! Sem toureiros e “aficion” não havia touros em Portugal, na China ou no Mundo.

Preservar a Natureza, começa por conhecê-la na sua mais profunda interioridade. E esse conhecimento, sim, é o único gesto civilizacional que nos é exigido, quando temos que decidir a favor dela!

Presidente da AGAVI – Associação para a Promoção da Gastronomia, Vinhos, Produtos Regionais e Biodiversidade.