Depois da Guerra Civil e do assassinato de Lincoln, os norte-americanos inauguraram um tempo a que chamaram a Reconstrução. O termo começou a ser utilizado um pouco antes do período propriamente dito, quando a vitória da União sobre os Confederados se avizinhava, tratando-se de um tema – o modo como reconstruir a América – marcante nas agendas partidárias e no debate político da época. Havia adeptos de uma Reconstrução mais serena, com reintegração plena dos Estados do sul no quadro constitucional, e quem favorecesse uma Reconstrução punitiva, que perseguisse e expropriasse quem lutara pelos secessionistas.
Portugal não passou, como sabemos, por uma guerra civil recente. Mas talvez necessite também de uma sua reconstrução. Quando a próxima legislatura terminar, estaremos em vésperas de celebrar meio século de regime. A nossa democracia terá o tempo de vida indicado para um momento de introspeção ou, se preferimos, um exame de consciência. Onde errámos até aqui? O que queremos fazer a partir daqui? Estaremos prontos para um futuro que chegará muito antes do projetado, para um mundo cada vez mais veloz do que o nosso?
Hoje, não temos respostas para essas questões. Temos, na verdade, problemas que reforçam a sua gravidade. Não falo em reconstrução por acaso. Na última década, em Portugal, assistimos à erosão continuada da relação do cidadão com o Estado. Em mais do que uma ocasião, os regentes temporários da coisa pública faltaram à confiança dos seus concidadãos.
Assistimos a isso quando um ex-primeiro-ministro detentor da única maioria absoluta do seu partido foi acusado de corrupção e branqueamento de capitais. Assistimos a isso quando outro primeiro-ministro desse partido anunciou aos portugueses, numa noite em que já se somavam 14 perdas de vida, que incêndios assim se iriam “repetir”. Assistimos a isso quando esse partido tomou de assalto o Estado, instalando famílias e extraconjugalidades em empregos pagos pelo contribuinte. Assistimos a isso quando o governo de maior carga fiscal de sempre é, ao mesmo tempo, o governo de maior despesa cativada de sempre.
Hoje, em Portugal, há um Estado que falha a quem deveria servir e que cumpre com quem se serve dele. E é preciso reconstruir esse Estado. Devolver-lhe dignidade, restituir-lhe confiança.
Nas últimas semanas, sugeriram-me que escrevesse sobre as razões que me levaram a aceitar o convite do CDS-PP para ser candidato como independente à Assembleia da República. Haveria, eventualmente, outras opções, mais garantidas ou mais recentes, menos desafiantes e menos arriscadas. Mas não era por aí. 2019 terá dúvidas, incertezas e obstáculos, mas não será um ano de ambiguidades, de relativizações daquilo que está errado. No CDS, vejo uma convicção em combater, desempoeiradamente, aquilo que está errado.
Poderá parecer ingénuo, mas nada me motivou mais do que trabalhar para essa reconstrução. Não apenas escrever sobre ela, mas contribuir para que ela aconteça. Aceitei fazê-lo, ainda que surpreendido, por estar ao lado de um partido fundador (mas moderno) e institucionalista (mas livre). Com uma história sua e uma juventude pronta a fazer mais história. Com uma vocação no nosso espectro ideológico – a conservadora –, que será determinante para qualquer mudança. Afinal, não há nada mais conservador do que proteger a manutenção de um laço: entre instituições e sociedade, mercado e empreendedores, cidadão e Estado, eleitores e democracia.
Aceitei-o, sobretudo, com vontade de ser mais do que um promotor de tribalismos ou de aproveitamentos pouco transparentes da política. Para reconstruir o que tem de ser reconstruído, teremos todos de ser mais do que isso. E só o seremos se cada um o for.