O programa de recuperação da aprendizagem (Escola 21|23) foi aprovado em Conselho de Ministros em Julho de 2021 — está publicado na resolução do Conselho de Ministros 90/2021, de 7 de Julho. O objectivo era preparar os dois anos lectivos daí para a frente (o agora em curso e o próximo) de modo que as escolas tivessem mais orientação, mais autonomia, mais recursos e melhores ferramentas para ajudar os seus alunos a recuperar dos danos causados pelas medidas de contenção da pandemia. Numa frase: assegurar que nenhuma criança era deixada (ainda mais) para trás na aprendizagem e no seu desenvolvimento. À entrada da recta final do ano lectivo 2021/2022, a primeira metade deste programa de recuperação de aprendizagem, qual é o balanço da “recuperação da aprendizagem”? Esta pergunta não tem resposta — e isso é um falhanço inaceitável.
Comecemos pelo início: o dano na aprendizagem. Em vários países europeus, existem indicadores comparados sobre o dano na aprendizagem dos alunos. Traduzindo o significado dos indicadores estatísticos, sabemos, por exemplo, que na Bélgica e na Noruega, apesar de ter havido ensino a distância, os alunos aprenderem menos o equivalente a quase a um ano lectivo completo. Na Holanda, contabilizou-se o impacto em cerca de oito semanas de aprendizagem a menos. Em Itália, o dano foi também enorme: cerca de dois terços de um ano lectivo. E tudo isto sem contar com os danos suplementares neste ano lectivo — por exemplo, por via de isolamentos prolongados de alunos em casa. Ora, estes diagnósticos foram possíveis porque, através das avaliações externas, se compararam os resultados dos alunos pré-pandemia com os dos alunos em pandemia.
E em Portugal? Em Portugal, esta avaliação não foi possível — porque, por opção política, desmoronou-se o sistema de monitorização de desempenhos dos alunos, acabando com exames e provas de aferição comparáveis com anos anteriores.
Em Julho de 2020, quando já vários países europeus mostravam dados de impacto da pandemia na aprendizagem, o governo português encomendou um estudo ao IAVE para aferir sobre a situação dos alunos portugueses — que, no ensino básico, estavam então sem ir à escola desde Março. Ora o estudo, publicado em Março de 2021 (8 meses após a encomenda do governo), exibiu uma insuficiência atroz, que descrevi aqui e da qual destaco dois pontos. Primeiro ponto: não cumpria o seu propósito, pois não avaliava o impacto da pandemia, na medida em que não tinha dados pré-pandemia para comparação — foi impossível determinar se aqueles resultados eram piores ou iguais aos dos alunos em 2019. Segundo ponto: o diagnóstico estava obsoleto no momento da sua publicação, pois os testes aos alunos foram aplicados em Janeiro, antes de um lockdown, e publicados em Março — ora, não somente não se obteve o diagnóstico na altura certa (início do ano lectivo), como o lockdown agravou o dano face ao reportado no estudo.
Passou mais de um ano e não houve novo estudo por parte do IAVE, pelo que Portugal continua sem diagnóstico sobre as perdas de aprendizagem. Entretanto, entrou em vigor o Escola 21|23. O que se sabe desse programa de recuperação da aprendizagem? Sobre os seus resultados, pouco ou nada. Sobre a sua implementação, também pouco ou nada. Na resolução do Conselho de Ministros 90/2021, o governo anunciou a criação de indicadores de execução e de metodologias de acompanhamento e monitorização do impacto — mas não se conhecem os indicadores, as metodologias ou os resultados de qualquer monitorização. O governo anunciou também a realização periódica de estudos amostrais, para uma monitorização mais fina — mas, perto do fim do ano lectivo, não há conhecimento de qualquer estudo. O governo anunciou um investimento substancial na digitalização das escolas e a aposta na formação em competências digitais — mas apenas se conhece a trapalhada dos atrasos na distribuição de computadores, sem que se saiba as verbas investidas, os professores formados e os equipamentos distribuídos. O governo anunciou a disponibilização de recursos para as escolas — mas ninguém sabe se as escolas os estão a usar, quais escolheram, com que efeitos na aprendizagem dos alunos e que verbas foram envolvidas.
Resumindo: aprovou-se um plano de recuperação de aprendizagem para “recuperar” de um dano que ninguém soube quantificar; agora, que há um plano em curso, não há um único indicador sobre o seu impacto. Portugal não aprende.
Temos anúncios, anúncios, anúncios e anúncios, mas não temos transparência, dados orçamentais, sistemas de monitorização ou qualquer medição de impacto. Navegamos às escuras, à boa moda do obscurantismo educativo que vigora desde 2016. E o problema já não é só de implementação e do bom uso das verbas orçamentais, mas sobretudo de eficácia: com tantos anúncios e tão pouco escrutínio, há um risco demasiado elevado de tudo isto servir de muito pouco aos alunos que estão a ficar para trás. Estamos há dois anos nisto, pelo que já devíamos ter aprendido: o país não precisa de mais promessas ou de planos que ficam no papel, mas sim de transparência, de medidas escrutináveis e de resultados sobre o que está a acontecer nas escolas. Está na hora de recuperar a recuperação da aprendizagem. No parlamento, só a Iniciativa Liberal tem tido o mérito de reconhecer a importância do tema e de fazer várias das perguntas que estão acima. Os outros estão a dormir?