O PSD trocou de líder mas continua com dificuldades para lidar com o tema de possíveis entendimentos com o CH. Sem surpresa, PS e os (amplos) segmentos da comunicação social próximos dos socialistas colocam o tema no topo da agenda mediática sempre que podem e exigem que Montenegro “clarifique” a sua posição (leia-se: exclua qualquer possibilidade de entendimento com o CH em quaisquer circunstâncias futuras mesmo que tal signifique perpetuar o PS no poder).
A (relativa) ambiguidade por parte de Montenegro é compreensível mas faz com que o tema continue a ser assunto recorrente – geralmente sob o mote de saber se o líder do PSD está a fazer o “suficiente para se distanciar do CH”. Uma ambiguidade que vem de trás e possibilitou a António Costa nas legislativas de 2022 agitar o papão de um possível entendimento do PSD com o CH para apanhar alguns votos ao centro e, acima de tudo, potenciar o voto útil à esquerda. A ameaça do CH foi assim provavelmente um factor importante para ajudar o PS a “secar” os partidos à sua esquerda e atingir a maioria absoluta.
O CH, naturalmente, faz a sua parte cavalgando a onda mediática que o coloca no centro das atenções ao mesmo tempo que pressiona cada vez mais o PSD. Por sua vez, a IL tem alinhado neste tema objectivamente com a estratégia que mais convém ao PS, pressionando também por essa via o PSD e reforçando a distinção entre IL e CH.
Perante este cenário, pode ser tentador para o PSD ceder às pressões para aderir ao “cordão sanitário” anti-CH, mas essa via tem pelo menos dois riscos substanciais. Em primeiro lugar, legitima, confirma e fortalece o discurso anti-sistema do CH, permitindo a André Ventura reclamar a posição de único genuíno opositor do “sistema” e apontando para o cordão como evidência disso mesmo. Em segundo lugar, a frieza da aritmética eleitoral permite rapidamente concluir que o “cordão sanitário” limita substancialmente os cenários nos quais o PSD pode voltar governar, aumentando assim as possibilidades de o PS se eternizar no poder (daí o interesse da máquina comunicacional do PS e dos seus agentes – alguns nominalmente de “direita” – no “cordão”). Acresce que, depois de 2015 e de a geringonça ter quebrado o tabu de haver entendimentos do PS com partidos de esquerda radical e de extrema-esquerda, a ideia de um cordão sanitário à direita faz ainda menos sentido.
A alternativa passa por responsabilizar directamente o PS. O PSD deve dizer que não faz coligações com o CH mas também não pode excluir a priori, naturalmente, qualquer cenário que reflicta vontade expressa dos eleitores. Deve acrescentar que no panorama actual tem fortíssimas reservas quanto à viabilidade de qualquer entendimento com o CH pelo que propõe que PS e PSD acordem declarar que viabilizarão governo um do outro qualquer que seja o mais votado, por forma a impedir a necessidade de quaisquer acordos com PCP, BE ou CH.
Não se trata, entenda-se, de um pacto para o bloco central mas de ter um entendimento que permita, se necessário, viabilizar um governo minoritário do partido mais votado sem necessidade de recorrer a PCP, BE ou CH. Perante isto, ou o PS concorda e a questão fica resolvida ou o PSD poderá legitimamente acusar o PS de hipocrisia e relembrar a proposta de acordo sempre que o assunto for levantado novamente. Mas, considerando o PS que o CH é realmente uma ameaça tão grave como repetidamente se proclama, não deverá haver qualquer hesitação em assumir esse acordo. Aliás, só é de estranhar que a iniciativa do mesmo não tenha já partido do PS. Mas essa é uma lacuna que Montenegro ainda vai a tempo de resolver.