O Dia Mundial do Rim celebra-se todas as segundas quintas-feiras de março, desde que a Organização Mundial de Saúde o instituiu em 2006. Assim, este ano, a 14 de março, nefrologistas e urologistas – os médicos especialistas que se dedicam ao estudo e ao tratamento das doenças renais – estão especialmente empenhados em informar a população sobre a importância da função do rim e os cuidados que devem ter com este órgão indispensável para filtrar o sangue.

Procuramos sensibilizar também para a insuficiência renal, uma doença dos rins que consiste na perda da sua função – e que é muitas vezes silenciosa e pouco conhecida pela população. Só no ano de 2023, atingiu mais de 850 milhões de pessoas, ou seja, 10% da população mundial, causando a morte de mais de 2,5 milhões de pessoas. As estimativas das organizações internacionais de saúde pública preveem um aumento do número de pessoas afectadas pela doença renal, todos os anos, tornando-a na quinta principal causa de morte a nível mundial em 2040.

A doença renal caracteriza-se por uma diminuição da função dos rins, o que leva a um aumento do risco de eventos cardiovasculares, tornando-se uma causa frequente de morte. A insuficiência renal pode ser causada por múltiplos factores, incluindo a diabetes, a hipertensão arterial, o excesso de colesterol e o abuso de certos medicamentos, como os anti-inflamatórios, assim como o tabaco ou o álcool.

Por isso mesmo, o controlo rigoroso destas doenças crónicas, evitando também o consumo de álcool ou do tabaco, são fundamentais para a prevenção da insuficiência renal. Outras causas são a perda de parte ou da totalidade de um rim, que pode ocorrer por diversos motivos, incluindo os tumores renais. Em todos estes casos, os urologistas são os especialistas que tratam estas doenças.

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De acordo com o Instituto Português de Oncologia, IPO Lisboa, o cancro renal representa cerca de 2 a 3% dos tumores diagnosticados em Portugal, com um pico de incidência a partir dos 60 anos de idade. Nos Estados Unidos, é o 5º cancro mais comum nos homens e o 9º nas mulheres, sendo também mais comum no sexo masculino. A Sociedade Americana de Oncologia Clínica, ASCO, estimou um diagnóstico de mais de 80.000 novos casos nos Estados Unidos em 2023, com uma taxa de mortalidade por cancro de 15.000 pessoas. No entanto, no mundo ocidental, nas últimas duas décadas, a mortalidade diminuiu em associação com um aumento do diagnóstico em fase precoce.

Atualmente, com o aumento da disponibilização de exames imagiológicos, como a ecografia e a tomografia computorizada (TC), a maioria dos tumores renais é diagnosticada acidentalmente, quando se realiza um exame imagiológico para investigar doenças não relacionadas. Isto deve-se ao facto de, nas fases iniciais, estes tumores não apresentarem sintomas e daí a importância de um diagnóstico precoce para tratar a doença com sucesso.

São conhecidos vários factores de risco associados com o cancro renal, como o tabagismo, a obesidade, a hipertensão arterial e a existência de familiares directos com casos anteriores. Por isso, as medidas de prevenção incluem a cessação do tabagismo, a perda de peso nos casos de obesidade e a vigilância mais apertada em caso de histórico familiar.

Em alguns doentes, a ablação – ou destruição – do tumor utilizando diferentes fontes de energia, como o frio, a crioterapia ou a radiofrequência, pode ser o tratamento de eleição. No entanto, o principal tratamento para o cancro renal localizado é a cirurgia para remover o tumor. Dependendo de factores como o tamanho e a localização, é decidido remover apenas o tumor (nefrectomia parcial), ou remover todo o rim (nefrectomia radical).

De acordo com as directrizes clínicas da Associação Europeia de Urologia para o cancro renal em 2023, nos tumores localizados, a nefrectomia parcial deve ser realizada sempre que seja tecnicamente possível e oncologicamente indicada.

Desde que foi publicado em 2006, na prestigiada revista Lancet, a confirmação científica da associação entre a perda de tecido na nefrectomia e o desenvolvimento de doença renal crónica, sabemos que o cancro renal associa o risco de mortalidade por cancro e por doenças cardiovasculares. Por conseguinte, é importante oferecer à maioria dos doentes com cancro renal localizado uma nefrectomia parcial em vez de uma nefrectomia radical.

São três os objectivos da cirurgia do tumor renal localizado: removê-lo com segurança oncológica, com a menor agressividade cirúrgica, mantendo a função renal.

A cirurgia minimamente invasiva, por laparoscopia ou por robótica, contribuiu para alcançar o controlo oncológico desejado com uma menor agressividade cirúrgica para o doente, em comparação com a cirurgia aberta clássica. Para reduzir o risco de perda da função do orgão durante a cirurgia do cancro renal, não só é importante preservar o máximo possível de tecido saudável, ou seja, realizar uma nefrectomia parcial, como também reduzir o tempo durante a cirurgia, em que o rim fica sem a chamada vascularização (formação de vasos sanguíneos) durante a remoção do tumor e a posterior reconstrução, conhecido como “tempo de isquémia”.

A incorporação da tecnologia robótica na cirurgia renal tem permitido reduzir significativamente este “tempo de isquemia” durante a remoção do tumor com a consequente redução do risco de insuficiência renal pós-operatória.

Por experiência, comparando 60 nefrectomias parciais laparoscópicas com 40 cirurgias robóticas entre 2010 e 2016, observamos que a cirurgia robótica nos permitiu operar com sucesso tumores mais complexos, com menor perda de sangue e também com menor tempo de isquemia renal.

Nos últimos anos, têm sido desenvolvidas técnicas cirúrgicas que, para além de reduzirem o tempo de isquemia, permitem a reconstrução do rim saudável após a remoção do tumor, sem recurso a suturas, com o benefício direto de reduzir os danos no tecido e, consequentemente, melhorar a preservação da sua função.

Neste sentido, a nossa experiência na investigação da isquemia renal em modelos experimentais e a utilização de impressão 3D do tumor a tratar, através de reconstrução tridimensional por tomografia computorizada, permitiu-nos chegar a uma nova técnica cirúrgica que permite a nefrectomia parcial sem sutura em alguns tumores, utilizando um molde 3D específico e individualizado para cada doente, com o potencial benefício de preservar a função renal pós-operatória.

Em resumo, o diagnóstico precoce do cancro renal melhora as opções de tratamento do tumor e as possibilidades de realizar uma nefrectomia parcial. A utilização de tecnologia cirúrgica como a cirurgia robótica, os estudos radiológicos em 3D e a inovação de outros meios que favorecem a reconstrução, são o caminho para obter os melhores resultados no tratamento do cancro renal localizado nos nossos doentes.