1 Rui Rio ganhou — e ganhou bem. É um facto. Não vale a pena argumentar que ganhou por uma diferença de 1.764 votos num universo de cerca de 35 mil votantes ou que esta foi a menor diferença de votos desde a sua primeira vitória em 2017 contra Pedro Santana Lopes. Rio ganhou nos distritos que contam com a exceção de Lisboa e teve uma margem de vitória confortável (mas não esmagadora).

Rio ganhou como gosta: sozinho contra o aparelho social-democrata (que antes o apoiava), os jornalistas e os comentadores. Rio está numa missão contra tudo e contra todos e os votos voltaram a dar-lhe razão.

Quem me lê sabe que sempre fui (e continuo a ser) particularmente crítico de Rui Rio. Tenho sérias reservas sobre o perfil com tendências autocráticas, o desprezo pelo jornalismo e a necessidade de controlar a Justiça — as quais denunciarei, sempre que tal for necessário. Neste contexto, contudo, o que interessa é que os militantes do PSD votaram para que Rio seja o candidato do partido a primeiro-ministro.

2 Como foi possível Paulo Rangel perder uma corrida em que partiu claramente como favorito, com boa parte das estruturas a seu lado? O mérito é todo de Rui Rio? De facto, Rio tem alguns méritos mas Rangel perdeu muito por culpa própria:

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  • Apesar de ter começado com um bom discurso de apresentação da candidatura e de ter ganho dois conselhos nacionais contra o líder do partido, Rangel começou a perder a corrida quando deixou que Rio conduzisse a narrativa da campanha: era candidato a primeiro-ministro e não a líder da oposição, o voto livre iria decidir as eleições e recusou fazer debates.
  • A partir do momento em que Rio não queria debater, Rangel deveria ter apostado em denunciar o adversário como alguém autocrático e que não respeitava os militantes do PSD. Não o fez.
  • Pior: Rangel ficou quieto à sombra da bananeira, a fazer campanha à antiga, a pedir votos quase cara a cara com os militantes, em vez de apostar em falar para o país. Deveria ter escolhido dois ou três temas nos quais não é normal ouvir o PSD, como as alterações climáticas e a sustentabilidade, para marcar a diferença face a Rio e mostrar que ele, Rangel, representava o PSD do presente e do futuro.
  • A frente unida anti-rio que Rangel deveria liderar não foi assim tão coesa. É verdade que Miguel Pinto Luz, um dos três candidatos nas diretas de 2019, esteve sempre ao lado de Rangel. Mas o mesmo já não se pode dizer de Luís Montenegro.
  • Depois de ter dado uma entrevista ao JN em outubro, na qual não se comprometia com um apoio a Rangel, Montenegro fez declarações à Lusa a 24 horas das eleições, na qual deixou claro que não apoiaria nenhum dos dois candidatos. Bem dito, melhor feito, visto que os relatos oriundos do aparelho, deixam claro que em zonas em que Montenegro tem influência, Rangel perdeu claramente.

Uma vez mais se provou que nenhum político pode cantar vitória antes do tempo — antes de se contar os votos. E que as sondagens, tão criticadas por Rui Rio, foram decisivas.

3 Foram as sondagens, com destaque para a última da Pitagórica para a CNN Portugal, que ajudaram a construir decisivamente a perceção de que Rio era melhor candidato a primeiro-ministro do que Rangel. Também é verdade que os apoiantes de Rio tentaram construir uma ideia enganadora de que a sondagem mostrava que o PSD de Rio conseguiria vencer as eleições ao PS de António Costa.

Na realidade, a sondagem coloca o PSD de Rio com cerca de 32%, enquanto que o PS de Costa consegue 38,1%. Com Rangel, o PSD agravava esse fosso de quase seis pontos percentuais para cerca de 15%. Mas uma coisa é certa: o PS ganha sempre em qualquer cenário, ficando mais perto da maioria absoluta com Rangel.

Olhando para o futuro, Rui Rio continua a ter a vantagem de não ser o favorito. Todas as sondagens são unânimes: o PS continua a ter uma larga vantagem e a pressão está do lado de António Costa. Se Rio gosta de ser picado, aqui tem uma bela oportunidade para se auto-motivar.

4 Rui Rio fez um bom discurso de vitória, falando em temas importantes. Seja a necessidade de produzir “mais riqueza e reduzir endividamento”, de reformar o país, modernizar os serviços públicos (com destaque para o SNS) e de baixar a carga fiscal das empresas e das famílias. Só boas ideias. Veremos com as vai articular dentro de um programa elaborado para as legislativas.

Rio ganha as diretas porque parece ser o melhor para levar o PSD de regresso ao poder. E como se concretizará esse regresso ao poder? Aqui é que a porca torce o rabo porque os cenários são complexos.

O ex-presidente da Câmara do Porto assumiu a sua ambição de ganhar as legislativas e o PSD não lhe exige menos do que a vitória. Se tiver a maioria absoluta, o tema da governabilidade está assegurado e Rio terá carta branca para implementar o seu programa.

O problema só se colocará se Rio ganhar mas a esquerda e a extrema-esquerda continuarem a ter maioria no Parlamento. António Costa terá habilidade para negociar com PCP, Os Verdes e o BE uma nova geringonça? Ou será necessário que o PS promova uma substituição de Costa por Pedro Nuno Santos para se manter no poder?

5 Uma coisa é certa: se Rui Rio perder e quiser viabilizar um Governo PS com maioria de esquerda no Parlamento, terá sempre oposição no PSD. Foi precisamente essa mensagem que Luís Montenegro quis passar com a entrevista que deu à Renascença 24 horas antes das diretas do PSD.

É verdade que a sua oposição é claramente a um Governo de Bloco Central — a uma coligação formal entre PS e PSD. Mas as suas críticas dirigem-se igualmente a acordos pontuais, face à incapacidade de o PS aceitar reformas.

Resumindo: Rio só terá descanso no PSD quando conseguir ser eleito primeiro-ministro. Entretanto, a Iniciativa Liberal e o Chega vão crescendo à custa do PSD.

Alterada a fonte de informação das declarações de Luís Montenegro no dia 27 de novembro de 2021: Agência Lusa e não Rádio Renascença