Há algum tempo eu escrevi sobre a falsa ideia de que as pessoas “vencem a Covid” quando deixam de testar positivo para o vírus. Em geral, as pessoas somente sobrevivem à doença, mas seguem travando uma batalha bem complicada – e frequentemente invisível – com o rasto que a doença deixa em nossos corpos e também na nossa saúde mental.

As sequelas que a Covid deixa nas pessoas que adoeceram ainda é um tema muito pouco debatido. Obviamente, eu entendo o facto de que o mundo ainda está voltado para a contenção do vírus e das suas variantes, portanto ainda não há muito espaço para conversarmos sobre os supostos “recuperados” da doença.

Antes de escrever esse texto conversei com 20 amigos que, assim como eu, foram contaminados pela Covid-19. Devo frisar que se trata de um grupo muito privilegiado. São pessoas com idades entre os 30 e os 50 anos, todos com bom quadro de saúde antes da doença, todos com acesso a bons cuidados médicos e todos com sintomas que não resultaram em necessidade de internação hospitalar. Ou seja: se está sendo difícil para essas pessoas, o que estarão passando as pessoas que não se encaixam nesse padrão privilegiado de contaminados?

Dessas 20 pessoas apenas três afirmam não ter nenhum tipo de sequela. Dessas três pessoas, duas tiveram quadros totalmente assintomáticos da doença. As outras 18 me narraram parte daquilo que estão vivendo – e eu não posso deixar de sentir um certo alívio por saber que não sou a única que convive com essas angústias diárias.

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Algumas afirmações são quase unânimes: estou constantemente cansado. Meu sono foi desregulado. Meu olfato e meu paladar nunca mais foram os mesmos. Ganhei peso e não consigo perder. Não consigo me concentrar. Sinto fortes dores de cabeça. Tenho lapsos de memória. Sinto sequelas emocionais que não sei se derivam da doença ou dos períodos de confinamento. Não tenho o mesmo ânimo de antes.

Outros relatos, mais pontuais (porém sempre atingindo diversas pessoas) são a queda de cabelo, as dores musculares, sangramentos nas gengivas, tonturas constantes (especialmente entre mulheres), tosse persistente, problemas digestivos e gástricos, alterações no ciclo menstrual, sensação de estufamento, entre outros.

Esta não é uma pesquisa científica, obviamente. É uma busca por algumas respostas, por algum amparo, por algum Norte. Sinto que as pessoas com as quais conversei vivem todas as mesmas angústias: será que isso veio mesmo da Covid ou posso estar com outra doença? Se forem sequelas, será que um dia vão passar? Que médico eu procuro se tenho tantos problemas difusos? Será que os médicos sabem como me ajudar, já que tudo é tão novo?

Se pesquisarmos sobre as sequelas da Covid em sites de busca, certamente encontraremos artigos e reportagens. Todavia, são informações vagas e incertas. Não sei se poderiam ser mais específicas, já que é tudo recente. Só sei que para quem se levanta todos os dias dentro de um corpo que não reconhece, as informações são verdadeiramente irrisórias.

É preciso falar sobre isto. É preciso que as pessoas – milhões de pessoas em todo o mundo – possam compartilhar seus desconfortos e medos. É preciso que médicos e pesquisadores da saúde tratem este assunto com a atenção que ele merece. É preciso achar forma de ajudar pessoas que sobreviveram, mas cujas vidas, de um modo geral, chegam a parecer irreconhecíveis. Sequelas de Covid não são bobagens. Discursos como “já, já isso passa” ou “você tem que ser grato por estar vivo” são verdadeiras agressões para pessoas que estão em sofrimento. Esse é um dos tantos problemas graves que a pandemia deixou, embora às vezes pareça, de facto, que o mundo inteiro está nos dizendo “já, já isso passa, não se queixem, não há-de ser nada”.

Todos os sábados na Rádio Observador, logo depois do noticiário das 14 horas, Ruth Manus convida mulheres notáveis para falar sobre a vida, amores e desamores, filhos e trabalho. Conversas descontraídas que os homens também devem ouvir em Mulheres não são chatas, Mulheres estão exaustas