Se há pouco tempo o “social” e o “corporativo” pareciam distantes, hoje é difícil vê-los separadamente. A resolução dos grandes desafios da atualidade, como o envelhecimento da população, o desemprego jovem ou as alterações climáticas, parece requerer a colaboração de todos os setores da sociedade. As empresas são cada vez mais chamadas a intervir e a ter um papel ativo na procura de solução para estes problemas.

Parece evidente que o envolvimento das empresas é benéfico para resolver estes desafios, mas o impacto que pode ter nas empresas propriamente ditas é menos claro. Fará bem às empresas fazer o bem? Fará sentido serem responsáveis?

A Responsabilidade Social Corporativa (RSC) é um conceito abrangente, mas pode ser considerada como a integração voluntária de preocupações sociais e ambientais por parte das empresas nas suas atividades. Esta definição tenta, de forma simplificada, captar o essencial de um conceito que pode ser entendido de, pelo menos, 37 formas diferentes. Na prática, a RSC abrange um conjunto diverso de práticas, como é o caso de contribuições financeiras para uma associação local, a promoção de um ambiente de trabalho digno e livre de discriminações ou a redução de poluição ou desperdício nos processos produtivos.

A definição de RSC procura também abranger práticas mais integradas na estratégia da empresa associadas, por exemplo, a conceitos recentes como o de valor partilhado, as empresas B ou a inovação social (vale a pena reler o artigo do também Global Shaper António Miguel com alguns dos melhores exemplos nacionais nesta área).

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Em Portugal, a RSC é parte integrante da vida das grandes empresas. De acordo com dados de um relatório da KPMG, mais de 80 das 100 maiores empresas portuguesas reportam iniciativas de RSC (um número que tem vindo a crescer ao longo dos anos). Além disso, Portugal é um caso de sucesso a nível mundial na área da inovação social, sendo considerado um dos sete países no mundo que conseguiu nota máxima em termos de política nacional de estímulo à inovação social. Estes são dados publicados num estudo recente elaborado pela The Economist. Para este sucesso muito contribuíram organizações da sociedade civil, como o Grupo de Reflexão e Apoio à Cidadania Empresarial (GRACE) ou a Social Business School (IES). Foram incansáveis na construção de um ecossistema favorável à proliferação destas práticas.

A comunidade científica tem estado atenta e curiosa em relação ao desenvolvimento recente da prática da RSC. Neste artigo, vou fazer uma breve viagem pela investigação recente em RSC com o objetivo principal de informar. Inevitavelmente, todos interagimos com muitas empresas, quer seja através do trabalho, da compra de um produto ou mesmo de um investimento. Acredito que o conhecimento pode ser poderoso e se soubermos bem analisar o bem que a RSC faz às empresas, conseguiremos ser mais eficazes ao inspirar as empresas a melhorar as suas práticas nesta área.

Começando a viagem: mas faz mesmo bem às empresas serem responsáveis?

A evidência empírica não é totalmente esclarecedora. Por exemplo, numa análise de mais de 27 mil observações durante um período superior a 20 anos, este artigo conclui que não há uma relação causal entre RSC e a performance financeira das empresas. Estes autores concluem que há, no entanto, uma relação no sentido inverso: as empresas bem sucedidas financeiramente num determinado ano tendem a investir mais em RSC nos anos seguintes. Um outro trabalho, que analisa esta relação para empresas recentemente criadas conclui que a relação entre RSC e a performance financeira da empresa é, em média, negativa. O mesmo resultado foi também encontrado neste artigo para o conjunto das empresas mais importantes do Gana. Níveis mais altos de RSC parecem estar sistematicamente associados a menor sucesso financeiro neste contexto.

Apesar destes estudos, parece haver um consenso relativamente alargado de que a responsabilidade social faz bem às empresas. Na mais completa revisão literária nesta área, onde são examinados 251 estudos sobre a ligação entre RSC e os resultados financeiros das empresas, conclui-se que o efeito é, em média, positivo – mas reduzido.

Parte da razão para o efeito ser reduzido (e por vezes até negativo) pode ter a ver com o facto de os efeitos da RSC só se conseguirem sentir passado algum tempo. Por exemplo, esta avaliação também não encontra qualquer efeito imediato no lucro da empresa, mas concluiu que o conjunto das empresas mais responsáveis tem melhores resultados financeiros e maiores hipóteses de sobreviver a longo prazo, quando comparado com um conjunto similar de empresas menos responsáveis.

Mas então o que muda nas empresas quando estas se tornam mais responsáveis?

Uma grande parte da investigação em Gestão tem-se focado em tentar perceber os diferentes caminhos através dos quais a RSC pode melhorar a performance financeira futura. Continuarei a viagem abordando exatamente isto e focando-me no que, para mim, é o essencial: os efeitos que a RSC tem nas relações importantes que a empresa tem de estabelecer para funcionar bem. Nomeadamente, as relações com colaboradores, clientes e investidores.

Começando pelos primeiros, a RSC permite criar ligações fortes entre os colaboradores e a empresa. Este artigo publicado há poucos meses demonstra que a RSC influencia positivamente a forma como os trabalhadores se identificam com a organização. Esta identificação com a empresa aumenta o empenho e a motivação dos colaboradores. Um trabalho recente conclui que as empresas lançam muitas vezes ações de RSC precisamente para responder ao fraco envolvimento dos seus trabalhadores e prevenir os seus comportamentos adversos (como o absentismo). Aqui demonstra-se, através de dados individuais de mais de 10 mil colaboradores de uma empresa, que a sua participação numa iniciativa corporativa de cariz social aumenta significativamente a retenção desses mesmos colaboradores. E este artigo conclui que a responsabilidade social causa um acréscimo da inovação da empresa por encorajar mais experimentação e aumentar a capacidade inovadora dos seus colaboradores.

No exterior da empresa, a RSC parece ajudar na relação com os clientes. Um artigo que analisa um conjunto de empresas ao longo de um intervalo de dez anos conclui que, quando uma empresa aumenta as doações para causas sociais, as suas receitas crescem em períodos subsequentes. Este efeito tem a ver com a satisfação do cliente e é particularmente significativo no caso de empresas que produzem bens ou serviços diretamente para o consumidor (por exemplo, roupa ou comida). Outro artigo mais recente mostra que os produtos introduzidos no mesmo mês em que uma empresa apoiou um evento de caridade têm maior sucesso (conseguindo serem vendidos por períodos mais longos) quando comparados com produtos similares introduzidos noutros meses.

Finalmente, a RSC parece ajudar a forma como os investidores se relacionam com a empresa. O envolvimento da empresa em RSC é uma forma de sinalizar aos investidores que a empresa está comprometida em criar valor a longo prazo e, por isso, quando as empresas anunciam uma nova ação e RSC, os investidores tendem a responder positivamente. Além deste efeito, a RSC parece funcionar como um género de paraquedas, protegendo a empresa quando algo negativo acontece. Como este artigo conclui, quando as coisas não estão a correr bem (por exemplo, quando a empresa é alvo de uma sanção legal), o envolvimento em RSC ajuda a aliviar a má reação dos investidores. A evidência neste estudo mostra que o efeito paraquedas tem uma duração relativamente curta, sendo importante um investimento contínuo para que ele continue a funcionar.

No geral, este efeito positivo da RSC no fortalecimento de relações importantes com colaboradores, clientes e investidores, estimula o desenvolvimento de aspetos menos tangíveis do negócio (como, por exemplo, a capacidade de a empresa se diferenciar e inovar, a sua reputação ou a sua cultura) que vão permitir à empresa ter melhores resultados financeiros no futuro. Estas relações de confiança vão ajudar as empresas com boa performance financeira a conseguir sustentá-las com maior facilidade e ajudar as empresas com má performance financeira a conseguir melhorá-las.

Como referi, o meu objetivo era partilhar algum do conhecimento académico recente sobre esta ligação, por vezes difícil de compreender, entre a RSC e o lucro. Os desafios que enfrentamos são grandes e tenho a convicção de que temos de garantir que as nossas empresas continuam cada vez mais empenhadas em participar ativamente na sua resolução. Estando mais informados sobre este assunto, podemos aproveitar melhor as nossas interações com as empresas para convencê-las do bem que faz fazer o bem.

João Cotter Salvado é Doutorando em Estratégia e Empreendedorismo na London Business School. É casado, tem 33 anos, e 3 filhos. Juntou-se ao Global Shapers Lisbon Hub em 2013.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade, como aconteceu com este artigo sobre os impactos para a empresa da responsabilidade social corporativa. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.