A história do Acordo entre José Sócrates e António Costa é o mito fundador do PS do século XXI. Segundo a lenda, durante o consulado de Ferro Rodrigues, Sócrates e Costa combinaram que, quando a liderança vagasse novamente, não a disputariam entre si, para não estraçalhar o partido. Ficou então decidido: chegada a altura, avançaria quem estivesse em melhor posição, com o apoio do outro. Mais tarde, quando o primeiro saísse, entraria segundo. Havia o acordo ortográfico, aquele foi um acordo pornográfico: agora vais lá tu aviares-te, depois vou lá eu, tenta não deixar aquilo muito desarrumado. Uma espécie de dividir para reinar. Partindo do princípio que “reinar” é usado no sentido de “brincar”, claro.

Passados vinte anos, o Partido Socialista está a reviver o célebre pacto, com dois jovens promissores a decidirem entre si quem será o próximo secretário-geral e, consequentemente, futuro Primeiro-Ministro. A diferença é que, enquanto em 2004 Sócrates e Costa avaliaram qual dos dois estaria mais forte e então decidiram, Fernando Medina e Pedro Nuno Santos estão à compita para ver qual dos dois é o menos fraquinho, para ver quem sobra. A disputa está ao rubro. Nós, portugueses, limitamo-nos a assistir. Só sabemos que um dos dois vai-nos comer. Somos o arroz de pacto.

Ultimamente, não há dia em que não sejamos surpreendidos pela descoberta de novos dados que comprovam que quer um, quer o outro, estão tão habilitados para governar Portugal como para pilotar o space shuttle. Conhecendo a bazófia dos dois, de certeza que se consideram capazes de fazer ambas as coisas.

Pedro Nuno Santos demite-se porque incompetentemente não sabia da indemnização de 500 mil euros à administradora da TAP? Então Fernando Medina mostra que, também incompetentemente, sabia da indemnização e que, mesmo assim, a chamou para ser secretária de Estado. Irresponsavelmente, Pedro Nuno descobre que, afinal, não só sabia como autorizou, mas de uma forma tão informal que nem se lembra? Descobre-se que, também irresponsavelmente, Medina contratou um tipo do PS de Castelo Branco para monitorizar obras em Lisboa, depois de simular uma consulta ao mercado.

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E isto foi só nos últimos 15 dias, atenção! Se recuarmos alguns meses, PNS tem o trunfo da localização do aeroporto e Medina a entrega à Rússia de dados de activistas. Se esperarmos alguns dias, então, é certinho que vamos descobrir mais aventuras dos dois. Têm o CV cada vez mais recheado de peripécias. Aquilo já não se pode chamar um currículo, é um currículol. Só falta o emoji.

Parece um jogo de poker em que os jogadores estão picados e, apesar de terem uma péssima mão, vão subindo cada vez mais a parada, pondo cada vez mais dinheiro. O que é muito arriscado. Até porque, começamos a perceber, o dinheiro não é deles, é nosso.

As duplas rivais exercem um fascínio infantil sobre nós. Super-Homem e Lex Luthor, Batman e Joker, Simba e Scar, Tom e Jerry. A dinâmica entre os dois adversários valoriza o conjunto. Quando um age, o outro destaca-o. No caso de Medina e PNS, cada um por si é apenas um político ambicioso e incompetente, mas, ao pé um do outro, representam uma geração de políticos ambiciosos e incompetentes. O todo é maior do que a soma das partes. Sobretudo aqui, em que as partes, pela indiferença com que tratam o dinheiro público, já mostraram que não sabem somar.

Depois de Sócrates e Costa, o PS presenteia agora o país com Fernando e Pedro Nuno. O binarismo repete-se, primeiro como tragédia, depois como tragédia ainda maior. Um diz “mata!”, o outro diz “esfola!”. Ambos dizem “não nos lembramos de nada”.