O mal da TAP é a soma de dois males. Um, o mal da pandemia que sobre a companhia se abateu com brutalidade igual à que atingiu todas as companhias de aviação. O outro, caseiro, a forma como o Ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos (PNS), lidou com a emergência. Se um mal atirou a TAP para um quase fim do mundo, o outro tornou mais difícil permitir-lhe sair dele.

Ao que PNS vinha, quando em Fevereiro de 2019 foi nomeado Ministro das Infraestruturas, cedo se começou a perceber – se é que não era de prever, tendo em conta a cartilha político-ideológica que parece guiá-lo. Ao clima de tranquila coexistência com a TAP, invariavelmente mantido por Pedro Marques, seu antecessor no cargo, dava lugar outro, irrequieto, tendo por “alvo apetecido” a administração privada da companhia.

A questão do pagamento de supostos prémios a quadros da companhia, os prejuízos registados em 2018 e 2019, tudo serviu para alimentar amiudadas recriminações de PNS – sempre públicas e com o emprego de tiradas de pendor populista. Uma companhia arruinada por uma administração cuja competência profissional não se coíbe de pôr em causa, é o que, na sua ampliação pelos media, as acometidas de PNS apresentam.

A alguém, que à severidade do seu “feitio” junta vincadas pulsões ideológicas (também ambições políticas, diz-se), a pandemia, nos seus ruinosos efeitos para a actividade da TAP, parece ter sido vista como uma oportunidade para finalmente correr com “o privado” que a geria, passando-a para o controlo do Estado. “Privado”, na rudeza do termo, era como parecia gostar de chamar ao principal acionista privado da companhia, David Neeleman.

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Conseguisse PNS levar a água ao seu moinho e caber-lhe-ia o mérito de dar por acabado o trabalho deixado a meio, em 2017, quando o actual Governo não levou tão longe quanto ele terá achado que devia o alto desígnio da “reversão da privatização da companhia”, ficando-se por uma participação de 50% do capital (antes 37%), mas deixando nas mãos de David Neeleman o controlo directo da gestão da companhia.

O que move PNS e parece condicionar a sua conduta é o que deixam transparecer afirmações públicas como a de que “(…) se é o povo português que paga, é bom que seja o povo português a mandar”. Foi como, em fins de Abril, reagiu a uma solicitação da TAP, tendo em vista a prestação de garantias do Estado à contratação de um empréstimo obrigacionista de 350 milhões de euros destinado a habilitar a companhia a resistir a efeitos de uma abrupta e severa perda de receitas (reduzidas a 15% do normal) provocada pela pandemia.

Dia após dia, aproveitando oportunidades que vão desde intervenções parlamentares a conversas circunstanciais com jornalistas, PNS vai pintando em cores sombrias um retrato da TAP levado a limites tais, (chega a admitir a sua insolvência) que “obrigam” o Primeiro-Ministro a tomar posição: “Não se discutem questões accionistas com especulações na praça pública”, diz aos jornalistas.

João Gonçalves Pereira, deputado do CDS, que na abordagem do assunto denota apurado conhecimento e clareza, vai mais longe e vê nos pronunciamentos de PNS sobre a companhia e a sua gestão o danoso efeito de uma “destruição de valor” que, adverte, tenderá a tornar mais custosa a sua recuperação futura.

É o que acontece. A ideia de uma companhia endividada e mal gerida que PNS promove da TAP não foi de certeza estranha ao facto de vir a ser a única das companhias de aviação europeias forçada a um drástico plano de resgate e reestruturação, criado para empresas em dificuldades financeiras, por exclusão de uma ajuda extraordinária Covid, que não acarretaria a imposição de uma reestruturação tão severa.

A prestação pouco eficaz que uma delegação dos ministérios das Finanças e das Infraestruturas, bem como da Parpública, despachada para Bruxelas com o fim de abrir na Direcção-geral da Concorrência um processo da ajuda do Estado à TAP, também acaba por contribuir para a opção pelo plano de resgate e reestruturação que parecia estar-lhe reservado, não obstante a existência de razões para esperar sorte diferente.

Seria difícil explicar à Direcção-geral da Concorrência que as perdas registadas pela TAP nos últimos anos provinham, em larga escala, dos custos financeiros gerados por grandes investimentos levados a cabo desde 2017? Que a companhia estava a operar com indicadores financeiros positivos, incluindo resultados de exploração (EBITDAR) que passam de 115 milhões para 500 milhões de euros? Ou que nunca precisara de apoios estatais e já libertara o Estado de mais de 600 milhões de garantias prestadas em financiamentos concedidos em anos passados?

Uma companhia desprovida de comprovada solidez (também tinha a seu favor uma trajectória de desempenho sustentadamente lucrativo da sua operação), jamais teria conseguido, como a TAP conseguira já, voltar aos mercados financeiros – desde o mercado de capitais nacional ao mercado internacional da dívida, sem garantias públicas. Há mais de 50 anos que não podia gabar-se disso.

A TAP, que em fins de 2019 a Lufthansa avalia em mil milhões de euros e em cujo capital manifesta interesse em entrar por via da aquisição de uma participação de cerca de 20%, é uma companhia a passar pela mais pujante fase da sua existência de 70 anos, graças à qual ganha dimensão suficiente para se tornar competitiva e para valorizar ao máximo o hub de Lisboa. É obra: 400 voos diários, 17 milhões de passageiros transportados, 3,3 mil milhões de euros de receitas anuais.

Ao Brasil juntara a América do Norte como outro grande mercado gerador de tráfego, que a partir do hub operacional de Lisboa irradia para destinos entre os quais avultam a Europa e a África (os recém-inaugurados voos diários para Telavive vão cheios de americanos chegados a Lisboa em aviões da companhia provenientes dos EUA). Está a implantar-se com segurança num mercado dominado pela Air France, o da África ocidental. Às novas rotas já consolidadas, como a de Dacar (dois voos diários), acabara de juntar Abidjan, Accra, Conacri e Banjul.

A fulgurante expansão por que a companhia está a passar em vésperas da “maldição” da Covid (anunciava-se a abertura de novas rotas para São Petersburgo, Cidade do Cabo e Maceió), não teria sido possível sem o aumento/renovação da frota e a admissão de dois mil novos trabalhadores, incluindo 300 pilotos – principal “raizon d’être” dos prejuízos da companhia, contra os quais PNS lá está sempre para levantar a voz.

A Lufthansa, que porventura viu na TAP oportunidade igual às que a British Airways e a Air France antes haviam visto na Ibéria e na KLM para ganharem ainda mais escala, não condicionava a sua entrada no capital da companhia a mudanças nas suas políticas de gestão. A atitude não pode deixar de ser vista como demonstração de que a gestão privada da TAP não lhe merecia objecções.

Ao contrário, PNS só viu no “privado” que geria a TAP deméritos suficientes para o pôr a andar. Da “renacionalização” da TAP que o ”feito” de mandar borda fora “o privado” viria a implicar, resultaram coisas de que é difícil alguém poder ufanar-se. A pior delas, para além do “fardo” para o Estado que a mudança acarretou, foi a de privar a companhia de um parceiro e de um modelo de gestão que as adversidades do tempo presente recomendariam. Dominava o negócio, não se guiava por critérios políticos e dispunha de influências no mundo da aviação.

Já não está na TAP o visionário David Neeleman, que um dia “descobriu” que a companhia, tirando partido de uma vantagem única do hub de Lisboa (a sua localização geográfica), poderia operar para múltiplos destinos na costa Leste da América do Norte e para o Nordeste do Brasil com um avião muito mais económico do que o Airbus 330, até então usado nessas rotas. Os novos Airbus 321 LR, entretanto adquiridos, permitiram “prodígios”, como reduzir o custo de um voo para Boston de 75 mil euros para 34 mil euros.

Em que parte do mundo encontrará PNS o gestor competente que prometeu arranjar, para passar a gerir a TAP em lugar daqueles de que se livrou? Os honorários de um gestor de topo de uma companhia de aviação podem atingir valores acima dos 15 milhões de euros. Nem a TAP estaria em condições de suportar um tal encargo, nem a rigidez das políticas remuneratórias das empresas públicas (o estatuto que passou a ser o seu) permitiriam isso.