Natal, Ano Novo, festas familiares, aniversários e datas que celebram memórias de família são terríveis para quem perdeu pais, filhos, irmãos, amigos ou entes queridos. São difíceis para quem está em luto, mas também para quem não tem ou não teve uma família de apoio, uma retaguarda emocional funcional.

Esta é a altura do ano em que tudo o que já dói e faz sofrer em tempos ditos normais, fica a doer ainda mais. O sofrimento provocado pela ausência dos que se amam, assim como o vazio criado pela distância dos que, mesmo estando presentes, não se fazem próximos nem disponíveis, é inimaginável. Devastador.

Nestes tempos difíceis não são apenas as pessoas em luto ou as que se sentem órfãs que sofrem. Os que atravessam as festas hospitalizados, em urgências ou internamentos mais ou menos prolongados, também sentem que o tempo de festas é especialmente erosivo. Ninguém sonha com um Natal no hospital, ninguém quer ter más notícias nesta altura do ano e, se fosse possível alterar certas circunstâncias, também ninguém lá passaria o fim do ano.

Há, ainda, os que se sentem sós, abandonados, excluídos ou discriminados e vivem o tempo de luzes e (suposta) alegria numa solidão ainda mais profunda. No Natal, por definição um tempo de família, fazem ainda mais eco os desabafos de amigos homossexuais ou dos que vivem uma condição considerada fora da norma, que dizem ser a época mais difícil de atravessar. Uns porque ao assumirem a sua condição não se sentiram aceites pelas famílias, outros por nem sequer conseguirem assumir e continuarem interiormente divididos ou a tentar fingir ser quem não são.

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Os sinais do Natal nas grandes cidades passaram a ser as luzes (cada vez mais néon, mais frias e mais feias, quase sempre azuis ou daquele branco gelo, muito gelado), as montras super iluminadas e a correria entre lojas. O frenesim das ruas e avenidas já congestionadas de trânsito e tráfego humano agrava-se nas excêntricas sextas-feiras de saldos, seguidas por fabulosas segundas-feiras cibernéticas, num crescendo de corridas pelos melhores preços.

Muitos dos que sofrem não suportam o brilho das luzes nas ruas nem nas montras porque ferem os seus olhos e os seus sentimentos. Brilham demais no exterior, mas não iluminam absolutamente nada no interior. Muito pelo contrário, ampliam as sombras internas e carregam ainda mais o negro das suas angústias.

Sempre houve e haverá nostalgia nesta época, sempre houve e haverá sofrimento agravado pelos lutos, pela ausência de sintonia, de esperança e de alegria, mas também pela falta de saúde, de dinheiro, de emprego, de sentido de pertença e de sentido de vida. E é justamente neste tempo que somos convocados a estar atentos aos que mais sofrem.

Crentes e não crentes, todos podemos fazer desta quadra um tempo verdadeiramente iluminante. Com ou sem luzinhas penduradas nas árvores e nas janelas, com ou sem Presépio na sala, viver bem o Natal não é um imperativo exclusivo de cristãos. Basta olhar à volta e ver quem anda mais vulnerável. Pode ser um conhecido ou um familiar, pode ser um vizinho ou aquela pessoa que cuja história nos atravessa porque soubemos que entrou e saiu sozinha da clínica onde ficou internada mais de um mês e no dia da alta não teve ninguém à espera, ninguém para a abraçar nem para lhe carregar a mala. A pessoa que chegou a casa sozinha, convalescente, onde os que a deviam acolher decidiram ir jantar fora. Sem ela.

Se estivermos atentos, mais atentos, percebemos que esta é apenas uma das muitas histórias que se cruzam com a nossa história porque há sempre alguém muito perto a precisar de nós. Sempre.

E os tempos difíceis, vividos numa lógica de maior atenção, de maior compaixão e maior abertura, tornam-se infinitamente mais fáceis.