Ter Covid pode ser uma realidade muito dura, sobretudo para quem esteve internado e sobreviveu a semanas de pioras antes de começar a sentir algumas melhoras. Felizes aqueles que passaram pela Covid sem sintomas, ou com a leveza de uma gripe, aparentemente sem consequências.

Relativamente aos doentes internados que tiveram alta, há uma estatística alarmante: 50% a 80% saem do hospital com sequelas funcionais, cujos sinais mais evidentes são a fadiga excessiva, dores musculares e faltas de ar. São números demasiado elevados para os podermos ignorar, mas o sistema de saúde não tem capacidade para acompanhar e reabilitar todos estes doentes e uma esmagadora maioria volta para casa sem qualquer apoio.

Num tempo em que os países concentram os seus esforços na luta contra a Covid, por estarmos ainda longe da imunidade de grupo e o processo de vacinas ser errático e intermitente, muitos doentes deixam de ser atendidos em consultas e tratamentos. Portugal não é exceção, mas é urgente pensar nos milhares de pessoas que precisam de intervenção terapêutica pós-Covid. Convalescentes que requerem uma reabilitação adequada, feita por profissionais credenciados, com competência para ajustar as terapias às necessidades específicas de cada um.

A falta de ar e o cansaço extremo são reais em muitas pessoas que tiveram Covid e isto acontece porque o vírus afetou as vias respiratórias. O problema é que se estas pessoas não forem devidamente tratadas, no tempo certo, podem ficar com sequelas duradouras e, quem sabe, para toda a vida. Os especialistas dizem que “o tempo é um fator primordial na recuperação dos músculos respiratórios” e, nesta lógica, as intervenções de reabilitação, em particular a respiratória, são críticas para a recuperação funcional das pessoas afetadas pelo coronavírus.

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Melhorar a capacidade de respiração melhora a saúde e aumenta o bem-estar e a autonomia de quem passou pela Covid, mas cada pessoa tem que saber qual a terapia certa para o seu caso, tendo em conta o contexto em que vive e trabalha. Para uns a autonomia passa por conseguirem subir os lanços de escadas do seu prédio, outros precisam de sentir que podem voltar a sair para fazer as suas compras no supermercado, outros têm imperativos profissionais que obrigam a esforços incompatíveis com a exaustão que sentem.

Há quem siga pistas na internet e até há quem procure conselho junto de amigos e conhecidos que tiveram Covid e, depois, sentiram a mesma opressão torácica, o mesmo cansaço fácil e uma prevalência de dores musculares, mas por mais bem intencionados que sejam estes amigos, ou por mais eloquentes que sejam os tutoriais e exercícios online, é fundamental cada um saber se está a fazer aquilo que é mais ajustado ao seu caso.

Até aqui, a telerreabilitação era um conceito estranho e, porventura, duvidoso. Ou não existia, ou era olhada com desconfiança por profissionais e utentes. Antes da Covid era impensável ter uma consulta de reabilitação por computador, mas a pandemia pôs a humanidade inteira online e todos começámos a perceber que podemos vigiar a nossa saúde através de teleconsultas e até melhorar sintomas através de sessões por zoom, teams ou qualquer que seja a plataforma eleita.

Uns começaram a ter aulas virtuais com Personal Trainers, outros optaram por encontrar o melhor Health Coach para as suas necessidades e, outros ainda, escolheram especialistas clínicos para teleconsultas efetivas que lhes permitiram melhorar a saúde e fazer tratamentos adequados. O impacto de tudo isto é inegável e interpelou Miguel Toscano Rico, médico internista, a pensar em mais e melhores maneiras de acompanhar os doentes que passaram pela Covid e tiveram alta do hospital, mas voltaram a casa com sintomas e sem acompanhamento.

Miguel Toscano Rico, Mariana Carreira, gestora (que há uns anos trouxe a Make a Wish para Portugal) e Patrícia Luz, educadora social, fundaram a Associação Covid Inspiro.pt, justamente para ajudar as pessoas que tiveram Covid e tiveram alta, mas sentem algumas limitações funcionais. A Inspiro.pt nasceu agora mesmo, no auge da pandemia e em pleno confinamento, para otimizar a recuperação de pessoas que ficaram com sequelas da Covid-19, oferecendo um programa completamente gratuito, online, definido por fisioterapeutas em sessões para grupos de quatro a seis pessoas.

O acompanhamento personalizado é decisivo, uma vez que evita certos erros que se cometem quando seguimos instruções demasiado generalistas, quando damos ouvidos a conselhos de amigos e conhecidos bem intencionados, mas sem preparação técnica e competência clínica que lhes permitam interpretar corretamente o nosso caso, ou quando tomamos como boas as pistas genéricas que encontramos na net, mas, por serem tão genéricas, aplicam-se a todos e a ninguém em particular.

A Inspiro.pt faz a ponte entre os utentes e as escolas de Medicina e Reabilitação, assegurando que ninguém está sozinho na recuperação e que cada pessoa faz aquilo de que realmente precisa para ficar bem, sem erros nem desvios. O facto de ser em pequenos grupos também gera uma interação humana calorosa, que ajuda a combater a solidão e cria uma adesão terapêutica muito eficaz que nasce da monitorização que os fisioterapeutas fazem relativamente à evolução de cada um. A proximidade e o conhecimento mútuo geram uma confiança que tem sempre impacto na recuperação física e psicológica.

A Inspiro.pt é uma associação pioneira que pode vir a tornar-se um case study não só por oferecer todo este apoio de forma gratuita, mas também por estar a fazer ciência na medida em que há uma avaliação periódica, com reavaliações finais, pós-recuperação, que permitem fazer uma auditoria da qualidade das intervenções e publicar os resultados numa altura em que ainda existem poucos dados sobre as sequelas da Covid-19.

Não deixa de ser impressionante que tudo isto nasça da sociedade civil, de um grupo de três especialistas que identificaram um vazio no sistema e criaram formas eficazes de o preencher. Miguel Toscano Rico confessa que o extraordinário movimento de voluntários COmVIDas o inspirou e fez acreditar que era possível fazer ainda mais do que já está a ser feito pelos médicos, enfermeiros e técnicos que estão na linha da frente no combate à Covid.

Gira, a vida, e a maneira como tudo se liga. Até o nome da nova associação revela uma dupla inspiração: aquela de que precisamos para viver, mas também a que nos chega através deste imenso sistema de vasos comunicantes que é a humanidade em geral, mas esta humanidade solidária e altruísta em particular.