Portugal parece uma estação de comboios. Ou um aeroporto. Ou um cais daqueles onde outrora acorriam multidões para se despedir. Isto se fixarmos o olhar nos protagonistas da política. Afinal eles estão sempre a ir para algum lado: Portas para Belém. Costa para a Europa. Rui Rio para a região Norte… E nós, portugueses, cada vez mais para trás.
Basta comparar o tempo e o espaço dispendidos a discutir a ida de Costa para um cargo europeu, não se sabe quando nem sequer qual, com o tempo e o espaço afectados à descida certa e continuada de Portugal para os últimos lugares da UE para constatarmos que um dos sinais do nosso declínio é o tempo que dispendemos a discutir para onde vão os nosso políticos em vez de discutirmos para onde vai o país! Em 2022, com valores abaixo do nosso PIB per capita apenas se contam a Roménia, a Letónia, a Croácia, a Eslováquia, a Grécia e a Bulgária. Em 2023, a ficção política em torno de próximo destino dos nosso dirigentes será tão mais prolífica quanto maior for a nossa queda nesta e noutras escalas.
Esta espécie de ficção sobre políticos sempre em trânsito não só nos distrai da realidade como se alimenta a si mesma. Afinal o país discute se António Costa vai ou não para a Europa, se Marcelo impediu Costa de ir para a Europa, se Costa vai ou não ignorar os avisos de Marcelo sobre a sua ida para a Europa… esquecendo o detalhe fundamental: não existe lugar algum à espera de António Costa na Europa! O actual primeiro-ministro português pode vir a ser escolhido para um cargo na crescente administração política europeia mas como é óbvio não será o único interessado nem muito menos o único nome a ser ponderado. Mas quem ler os jornais portugueses ou seguir as televisões e rádios deste nosso país, é levado a acreditar que sim senhor, o cargo está lá dependendo apenas dos ventos pátrios vir a ser ocupado por António Costa.
A ficção sobre a ida de Costa para a Europa está longe de ser a única a entreter-nos nestes dias, ou mais precisamente a desfocar-nos. A última viagem ficcionada é a de Portas para Belém. É um trajecto entre os estúdios de televisão e o palácio presidencial que já vimos ser percorrido por Marcelo. Agora Portas está a preparar-se para o repetir. A preparação para essa corrida começa agora mesmo com a ida de Portas a Guimarães, ao congresso do CDS. Além do crescimento do ego do próprio (o que é mais ou menos tecnicamente impossível) e da ilusão de sobrevivência política para o seu círculo de fiéis, qual o interesse para o país de uma candidatura de presidencial de Paulo Portas?
A outra viagem de que se fala é a de regresso de Rui Rio ao Porto. Aí, mais uma vez, a rumorologia em torno do cargo que Rio poderá vir a ocupar – uma espécie de presidente de uma futura região norte – escamoteia o essencial: que regionalização é essa que nos dão como adquirida e mais ou menos decidida entre Costa e Rio? Que referendo é esse de resultado antecipadamente garantido?
Sim, já sei que se tornou voz corrente dizer que o actual governo é um produto da corte de Lisboa. Pobre Lisboa que serve de desculpa para tudo! Para lá do óbvio – o governo é constituído por pessoas que na sua quase esmagadora maioria nunca trabalharam fora do sector público sendo que muitos nem sequer alguma vez exerceram qualquer actividade para lá dos cargos políticos e ninguém parece preocupar-se com isso – o que este Governo representa não é a corte de Lisboa – a tal que supostamente a regionalização combaterá – mas sim a corte socialista e o fechamento do PS. O próprio governo foi construído nesta perspectiva, distribuindo-se pastas em função da luta pela sucessão de Costa. Se se transferisse o aparelho do PS do Largo do Rato para Braga teríamos garantidamente uma corte bracarense.
Obviamente Portugal está cada vez menos presente neste discurso político baseado em cenários. Um dos primeiros passos para nos voltamos a focar no país é libertarmo-nos deste hipnótico movimento perpétuo de protagonistas e das causas artificiais que inventam para escamotear o seu falhanço.
Não sei se Costa vai para Bruxelas e Rio para o Porto. Sei que Portugal está mais pobre e mais envelhecido. E que eles, os sempre em trânsito, vão ter de nos explicar porquê.
PS. O parlamento fez História. Não sei se os deputados tẽm noção disso mas quando daqui a algumas décadas se estudar este período o chumbo do Chega e da IL para a vice-presidência da AR virá lá assinalado. E não propriamente por boas razões.