Como é possível o governo ter desperdiçado esta ocasião única? Então no final da semana passada andou para aí, na internet, um plano de desconfinamento a circular livre, livremente, como quem pede para lhe deitarem a mão, e o executivo de António Costa não agarrou logo o documento como se fosse da sua autoria? Foi uma oportunidade irrepetível para o primeiro-ministro apresentar, desde já, uma estratégia de desconfinamento, ainda por cima não descabida. É que bastava fazer copy-paste. O documento até trazia o logotipo oficial da República Portuguesa e tudo. Estava prontinho a ser apresentado. Que esbanjamento.

Mas atenção. Pode dar-se o caso do governo não ter assumido a paternidade do tal plano, por recear que os portugueses topassem que o documento não era obra sua. O que faz sentido. Também me aconteceu isto várias vezes na escola. Quando uma pessoa, em resultado da adopção dos mais sofisticados métodos de copianço, deitava a mão ao teste do crânio da turma. Mas, como é óbvio, não se ia copiar tudo igualzinho ao que o choninhas fez, caso contrário o stôr perceberia logo ter sucedido marosca. Nada disso. Copiava-se só o essencial para garantir uma nota apenas muitíssimo acima da merecida, e depois punha-se para lá umas patacoadas sem nexo, essas sim consentâneas com a mandriice que nos granjeou popularidade. E toda a gente ficava contente. Os madraços por verem recompensado o seu empreendedorismo copião; o aluno estudioso porque assim tinha direito a um interregno no bullying, pelo período equivalente a um terço do intervalo seguinte; e o stôr, que não pretendia que a obrigação de vigiar os alunos durante o teste lhe interrompesse a Sopa de Letras.

Portanto, para disfarçar, o que Costa devia ter feito aquando da apresentação do plano de desconfinamento, copiado da versão falsa que surgiu na net, era o seguinte. Por exemplo, no ponto “Regras gerais”, onde o plano de desconfinamento falso dizia “Dever cívico de recolhimento domiciliário”, o plano do governo podia dizer algo do género “Mover típico de corpulento dromedário”. Os portugueses liam aquilo e pensavam: “Mover típico de corpulento dromedário? Isto não faz qualquer espécie de sentido. Enfim, só mesmo este governo para tomar medidas destas”. E pronto, ninguém desconfiava que o primeiro-ministro tinha copiado da internet, porque tudo padeceria da costumeira falta de lógica das decisões tomadas desde o início da pandemia.

Se bem que, apesar de tudo, há esperança que se tenha aprendido algo durante este ano de crise da COVID. Pelo menos, ainda ontem, António Costa referiu que “as tragédias repetem-se quando os seres humanos repetem os erros”. Ou seja, ao que tudo indica, o primeiro-ministro e o seu governo estão fortemente empenhados em, daqui em diante, cometerem erros diferentes daqueles em que incorreram assim que começou a pandemia. Vamos então acreditar que, de futuro, tudo será, pois, completamente diferente. Se será diferente para melhor, aí não ponho o meu dinheirinho.

Uma coisa é certa, nestes primeiros dias de Março, de acordo com o jornal Expresso, “mantém-se a descida dos casos activos, seguindo a tendência de decréscimo durante todo o mês de Fevereiro”. Ao mesmo tempo, o Público garante que o último sábado foi o “mais movimentado até agora desde que o ano de 2021 começou, e corresponde a uma tendência crescente de desconfinamento ad-hoc à medida que o tempo passa”. Ou seja, se a partir de meados de Março o número dos casos activos não aumentar, preconizo uma manifestação à porta do Ministério da Administração Interna, com o intuito de, quando Eduardo Cabrita aparecer, lhe apontarmos os dedos indicadores em riste, enquanto repetimos a frase “Com que então a culpa do descontrolo da pandemia em Janeiro foi de termos desconfinado, não é, meu marreta?” Ah, é verdade. Os dedos não devem respeitar qualquer distanciamento social. Deverão distar um centímetro, dois no máximo, do nariz do ministro.

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