Temos ouvido falar muito de paz na Ucrânia ou no Médio Oriente. Nos dois casos o sucesso na guerra é muito difícil, mas o sucesso numa verdadeira paz, justa e durável, é muito mais difícil ainda. Ignorar isso, e gritar por paz, sem explicar como, em que condições, não é sério. Parece evidente que Trump não trará a paz no Médio Oriente que andou a prometer durante todo o seu primeiro mandato. Mas será que o fará no caso da Ucrânia se for reeleito, em novembro próximo, como diz com grande confiança? Como se constrói uma verdadeira paz?

Todas as guerras acabam rapidamente em negociações?

Não é assim, por muito que essa ideia falsa seja repetida. Muitas guerras prolongam-se durante anos e até décadas. A Birmânia está envolvida numa guerra civil desde a sua independência em 1948. Uma das tendências nos conflitos atuais é mesmo para se prolongarem sem solução à vista. E há conflitos que nunca terminaram num verdadeiro acordo de paz. A Guerra da Coreia (1950-53), a primeira da era nuclear, não terminou num acordo de paz que resolvesse o conflito, mas num cessar-fogo. Esse até pode ser o melhor cenário para o fim dos combates na Ucrânia. Ambas as Coreias e os seus aliados esgotaram as soluções militares. Mas ainda hoje a Coreia do Sul continua a ser um dos países mais militarizados do Mundo, a ter uma forte presença militar dos EUA, bem como uma garantia formal de defesa.

Por fim, uma das formas de ter paz é vencer militarmente. Foi o caso da Segunda Guerra Mundial. A vitória dos Aliados Ocidentais criou as condições para a paz democrática a que nos habituámos a viver na Europa Ocidental. A vitória da União Soviética criou as condições para a escravização da Europa de Leste durante décadas. Essa é outra lição fundamental da história. Os termos da paz vão condicionar a ordem política regional e global que se seguirá.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A Europa quer paz 

É normal. Estamos desabituados de guerras de conquista no nosso continente. A guerra custa vidas, consome recursos, é por natureza uma fonte de incerteza e insegurança. A paz é a base indispensável da prosperidade e da liberdade. Mas convém recordar que todos os grandes conquistadores foram grandes pacifistas. De Gengiscão até Napoleão todos eles preferiam conquistar sem combater, vencer pelo terror, impor a rendição sem combater. É dessa paz que estamos a falar? A paz do terror do mais forte?

Foi essa a base do acordo com Hitler, em Munique, em 1938. A Checoslováquia democrática estava decidida a defender-se com o apoio das democracias ocidentais. Foi isolada e pressionada pelos seus aliados democráticos. Foi forçada a ceder território à Alemanha nazi em troca da paz. O resultado foi o fim da independência checoslovaca em poucos meses e, um ano depois, a guerra mais mortífera de sempre. Hitler convenceu-se de que a ameaça e a agressão compensavam. Convenceu-se de que as democracias queriam a paz a qualquer preço, portanto nunca lhe fariam frente. A história não se repete, mas mostra que é pouco provável que seja boa ideia sacrificar a independência da Ucrânia democrática à agenda imperialista da Rússia de Putin.

Se for assim qualquer um – Trump, Órban, Lula, Erdogan ou Xi – pode rapidamente por fim à guerra na Ucrânia. Essa paz não exigirá grandes dotes de estadista, nem grande capacidade dos analistas que a preveem. Mas é pouco provável que as ambições imperiais de Putin ou de outras grandes potências revisionistas fiquem por aí.

Como é que se constrói uma paz justa e duradoira? 

Uma verdadeira paz tem de assentar num acordo considerado justo e legítimo, sobretudo pelas partes diretamente envolvidas na guerra, mas também pelos países vizinhos e pelo máximo da comunidade de Estados. Caso contrário não será durável. Será uma trégua, potencialmente perigosa se permitir ao lado mais agressivo rearmar-se e escolher o momento para regressar ao combate. Gritar pela paz já é uma ingenuidade ou um apelo a apaziguar a qualquer preço o ditador de Moscovo.

É verdade que é muito difícil dada a enorme assimetria de poder militar favorável à Rússia que a Ucrânia consiga recuperar pela força todo o seu território, sem um colapso do atual regime russo. Mas não demos a Kiev os meios, sem linhas vermelhas, para ofensivas contra linhas defensivas com sérias hipóteses de sucesso. E também é verdade que não vejo como a Rússia poderá vencer uma Ucrânia apoiada pelos EUA e pela Europa. A certo momento o regime autocrático russo poderá preferir um cessar-fogo que realmente congele os combates e lhe permita aliviar os enormes custos da guerra.

Nenhuma paz verdadeira, nenhum cessar-fogo durável será possível face à Rússia de Putin que não parta de uma posição de força e da dissuasão credível de futuras agressões. A vitória da Rússia neste conflito não é de todo inevitável. Menos ainda o é uma Terceira Guerra Mundial. Esta última foi muitas vezes anunciada desde 1945 e nunca teve lugar. Foi assim muito graças, nomeadamente, à existência da NATO, que esta semana celebrou 75 anos de sucesso na defesa coletiva, sem que nenhum dos seus membros tenha sido atacado por outro Estado. Se Trump for eleito, uma possibilidade bem real, tudo isto poderá ficar em causa se continuar a ser um candidato a autocrata no seu país e um admirador declarado de autocratas fora do seu país. Trump até poderá conseguir uma paz rápida e fácil com a Rússia. Mas convém ser claro que paz rápida e fácil seria essa. Seria uma paz que tornaria o Mundo mais propenso a guerras de conquista. Seria uma paz que tornaria o Mundo mais perigoso para democracias e pequenas potências, e mais seguro para ditaduras agressivas. É isso que queremos?