A demissão de Arseni Iatseniuk do cargo de primeiro-ministro da Ucrânia, já era esperada há cerca de dois meses, quando o Parlamento considerou insatisfatório o trabalho do seu executivo, mas só agora se realizou porque foram precisas conversações com o Presidente Petro Poroshenko a fim dessa saída não provocar mais uma crise política no país.

Os motivos para o aumento da impopularidade de Iatseniuk eram muitos: as reformas estruturais da economia não avançam ou avançam com grande dificuldade, a corrupção generaliza-se cada vez mais, a moeda nacional grivna não para de desvalorizar-se face ao dólar e euro, o preço dos serviços essenciais aumenta, o que torna cada vez mais difícil a vida da população, etc.

A fim de encontrar uma saída para a crise que não preveja eleições parlamentares a curto prazo, o Presidente Poroshenko tenta chamar a si a iniciativa apresentando a candidatura de Vladimir Groisman, actual dirigente do Parlamento ucraniano, ao cargo de primeiro-ministro.

Ao que tudo indica, esta candidatura conseguirá obter os votos da maioria dos deputados, pois poucas são as forças políticas interessadas em eleições parlamentares antecipadas. Iúlia Timoshenko, que dirige um dos partidos da oposição, ainda não tem a certeza de uma vitória no escrutínio e, por isso, ficará à espera de melhor oportunidade. O Bloco da Oposição, que reúne forças pró-russas no Parlamento, é o que mais exige eleições antecipadas, pois está convencido de que irá ter um resultado melhor do que o actual.

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Se o Parlamento apoiar a candidatura de Vladimir Groisman, o que é muito provável, praticamente todo o poder irá concentrar-se nas mãos do Presidente Poroshenko e da sua administração, pois passarão a controlar o governo através do seu primeiro-ministro.

Esta medida é apresentada como uma forma de reforçar os poderes presidenciais. Porém, trata-se de uma manobra arriscada do líder ucraniano, pois, caso as coisas continuem a deteriorar-se, tornar-se-ão essenciais não só eleições parlamentares antecipadas, mas também presidenciais.

Este cenário também não pode ser posto de lado por outra razão: os “Papéis do Panamá”. Poroshenko é um dos líderes políticos que aparecem entre os detentores de contas offshores nesse país da América Central, mas trata-se de “importâncias de pouca monta”.

Porém, quando os jornalistas começaram a escavar mais fundo, encontraram contas do Presidente noutras off-shores, o que não irá contribuir para o aumento da sua credibilidade. Se, na Rússia, por exemplo, é possível abafar casos como estes ou mais gritantes, na Ucrânia as coisas não são assim, pois aí existe uma oposição real e uma imprensa pluralista.

O dirigente ucraniano precisa de dar um novo impulso ao Processo Minsk-2, a fim de tentar resolver a guerra no Leste da Ucrânia sem grandes prejuízos políticos para ele. O conflito não está totalmente congelado, porque, diariamente, se registam confrontos entre tropas ucranianas e separatistas apoiados por armas e soldados russos. A qualquer momento, o confronto pode tomar grandes proporções.

Kiev não pretende aceitar a federalização do país, pretendida pelos separatistas e o Kremlin, pois receia que isso dê início à desintegração da Ucrânia.

Nestes jogos de poder, os Estados Unidos têm desempenhado um papel muito importante, pois consideram que o agravamento da situação na Ucrânia joga a favor da Rússia. No entanto, são muitos os ucranianos que desconfiam que Washington possa utilizar o país como moeda de troca nos complicados jogos em que americanos e russos estão envolvidos.

Quanto à Europa, parece continuar a servir de “candelabro” em todo este processo. Não conseguiu fazer avançar o Processo de Minsk-2, levando ao envolvimento norte-americano nesse processo.

Recentemente, na Holanda, realizou-se um referendo sobre a assinatura do Acordo de Associação Estratégica entre a Ucrânia e a União Europeia. É verdade que o resultado não é vinculativo e a participação foi muito baixa, mas também é verdade que a maioria dos participantes respondeu “não”.

Não será isto um sinal de que os europeus se interessam cada vez menos pelos destinos da Ucrânia? Se assim for, estarão a fazer um grande favor ao Kremlin, pois, como é sabido, Vladimir Putin não abandonou o sonho de ver reconhecido esse país como zona da sua influência directa.

O futuro da União Europeia também passa pela Ucrânia, pela sua capacidade de fazer aproximar este país. Se Bruxelas perder este desafio, apenas dará razão àqueles que consideram que a UE está a chegar ao fim.