A diplomacia americana no espaço europeu empenha-se, hoje, em duas prioridades: advertir e adiar. Altos funcionários da administração Trump têm deixado avisos em capitais como Lisboa, alertando para o risco de uma implementação apressada do 5G, cuja preferência pela Huawei teria consequências imediatas na relação transatlântica.

Uma das consequências, já o disseram em público, seria o fim da partilha de informações e inteligência entre os dois países. Outra das consequências, ainda não verbalizada publicamente, seria a cisão da NATO em duas – isto é: o fim da aliança como a conhecemos ou, segundo Emmanuel Macron, como a conhecíamos.

Washington vê com bons olhos a recente abertura do governo português aos argumentos norte-americanos e ao consórcio de empresas privadas (europeias e americanas) que se pretende apresentar como alternativa à Huawei, não duvidando que Bruxelas desepenhou um papel-chave numa maior cautela de Lisboa em relação a Pequim. O objetivo, atualmente, passa por ganhar tempo para a apresentação dessa alternativa. E um dos argumentos utilizados é de uma simplicidade indesmentível: qual é a pressa para o 5G quando há zonas em Portugal que ainda mal têm acesso ao 3G?

O mais recente relatório sobre os riscos das redes 5G para a cibersegurança da União Europeia mostra reservas firmes no que toca a empresas de influência governamental externa como a Huawei. É irónico, nesse sentido, ver a diplomacia americana ativamente empenhada em convencer Estados-membros a cumprir com o framework europeu – e a olharem para os avisos de relatórios como o citado –, quando a administração de Donald Trump foi tão próxima de eurocéticos como Nigel Farage (“great guy“) ou Marine Le Pen (“the strongest candidate“).

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Publicamente, a Casa Branca tem roçado a hostilidade face à UE. Privadamente, louva a sua existência e invoca a sua solidez como necessária para combater a expansão da China. Este é um paradoxo político que dificultará o trabalho do Departamento de Estado norte-americano: não se pode ter um presidente contra a Comissão Europeia e uma presidência a defender as regras da Comissão Europeia.

O que Washington continua a ver com menos bons olhos, e esta coluna já o havia destacado, é o modo como o nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros relativiza a influência chinesa em Portugal (“são parceiros; não aliados”). Para os americanos, que se querem manter como aliados, há limites no que diz respeito a parceiros. Esta é uma encruzilhada que outros países europeus também estão a enfrentar. Ouvimo-lo no Bundestag, quando o responsável pelas secretas afirmou este mês que a Alemanha já sofre mais ataques informáticos da China do que da Rússia. E ouvimo-lo em vozes familiares, como a de José Manuel Durão Barroso, que não hesitou em deixar claro: mais cedo ou mais tarde, a Europa terá de escolher entre os Estados Unidos da América e a República Popular da China.

Para Portugal, o destino do porto de Sines e o futuro da rede 5G serão passos irreversíveis dessa decisão.

P.S. – Em resposta a uma resolução do Parlamento Europeu, a deputada Isabel Moreira, do PS, assinou um artigo de opinião intitulado “Não equiparar Estaline e Hitler é respeitar a memória europeia”. No artigo, a deputada defende o comunismo como uma ideologia “que visa um objetivo de transformação social e económico bondoso” e não antidemocrático. Como é que uma deputada do Partido Socialista vê bondade e democracia numa ideologia que pressupôe um sistema de partido-único é algo inconcebível. Um homem como Estaline nunca teria cometido os crimes que cometeu numa sociedade de regime parlamentar, pluripartidário e livre, que escrutinasse os seus decisores. Infelizmente, tal já não é evidente no partido que Mário Soares fundou.