Há políticos que têm uma visão de futuro para o país e capacidade para aplicar as políticas que conduzem as comunidades a aproveitar as oportunidades e a prosperarem. E há políticos que são mestres na conquista do poder, mas que depois só sabem habilmente manter esse poder, sem qualquer visão para o país que governam e, menos ainda, capacidade para adoptar medidas que antecipem e resolvam os problemas concretos da sociedade. Vivemos, desde 2015, com um primeiro-ministro que é exímio em jogos de poder, que lhe garantiram a sua conquista e agora a sua manutenção, mas que nos últimos mais de sete anos não teve uma política económica ou social consistente, que antecipasse e resolvesse problemas e fizesse de Portugal um país mais desenvolvido e competitivo.

Tudo o que de bom vamos colhendo hoje foi semeado no passado, por Aníbal Cavaco Silva, por José Sócrates, por Pedro Passos Coelho. O único investimento industrial estrutural do país remonta aos anos 90 do século XX, assim como a rede principal de autoestradas. As energias renováveis, que tanto orgulho hoje nos merecem, foram uma aposta de José Sócrates, na altura com controvérsias à mistura. As cidades mais recuperadas que hoje temos e a disciplina financeira que hoje percebemos importante é herdada de Pedro Passos Coelho. E este é um retrato muito simplificado. Fomos progredindo, com erros e até com um primeiro-ministro suspeito de corrupção, claro, mas com os líderes dos governos a pensarem o país.

Todo este trabalho foi interrompido em 2015 por uma governação desde logo marcada mais pela negativa – desfazer o que tinha sido feito – do que pela positiva – pelo fazer. E uma governação ao sabor das exigências de manutenção do poder, marcadas inevitavelmente pela distribuição de dinheiro e de benefícios pelos respectivos mercados eleitorais e apaniguados partidários. Claro que o país urbano, de funcionários públicos e pensionistas, andou feliz. Ninguém via nem queria ver como é que, de repente, se “multiplicavam os pães”, como é que, de repente, havia dinheiro para distribuir.

Com a cumplicidade do Bloco de Esquerda e do PCP, cortou-se no investimento de manutenção dos serviços públicos enquanto se distribuía dinheiro. E cada medida que se anunciava não era uma política, mas um meio para garantir o poder, comprando votos e transmitindo a ideia de que o passado tinha sido obra de uns demónios, protagonizados por Pedro Passos Coelho, que queriam muito mal aos portugueses, vá lá saber-se porquê. E a maioria acreditou nesta história de encantar. Paralelamente, o aparelho do Estado ia sendo tomado de assalto, destruindo ou tentando destruir todos os que iam alertando para o que se estava a passar, atrás do pano de todo este teatro. E, ao mesmo tempo que se jurava amor absoluto pela saúde pública, pela educação pública, pelos serviços públicos em geral, o Estado ia-se degradando.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Chegou a pandemia e expôs a fragilidade em que estava o Estado. Mas não se perdeu tempo e juntou-se a pandemia a Passos Coelho para desculpabilizar a incapacidade. Passaram-se cinco anos, até 2020, sem que nada se tenha feito que não fosse manter o rigor financeiro à custa da degradação dos serviços públicos. Um rigor que é menos por convicção e mais integrado na lógica geral de manutenção do poder, já que uma qualquer troika acabaria com esse poder.

Quem olhava perplexo para o que se estava a passar, sem que ninguém ouvisse o que se tinha para dizer e ainda menos protegesse quem o denunciava, levava invariavelmente com epítetos de liberal selvagem, passista, anti-socialista. A onda era demasiado forte e a pouco e pouco foi-se também instalando o medo de falar, de criticar, de denunciar, enfim, de debater, porque “quem se mete com o PS leva”. E num país em que o Estado já era bastante presente e mais presente ficou, poucos eram os que corriam riscos.

Chegou a maioria absoluta e, apesar da guerra, estavam criadas, pensava-se, condições para governar. Os recursos inéditos que chegavam de Bruxelas justificavam também essa esperança. Agora é que era, porque até ali o PS estava condicionado pela sua esquerda. Apanhados talvez pela especialidade do Governo em culpar tudo e todos pelos seus desaires, criou-se essa ilusão que depressa se esfumou.

António Costa nem nos enganou, quando insistiu em apresentar um Orçamento desenhado antes da guerra. Só isso era revelador que tanto fazia que Orçamento se apresentasse, o país era para ser gerido na mesma lógica de distribuição de benesses, agora com mais justificação pela pandemia e a guerra. Mesmo assim, pensou-se que com o PRR íamos assistir à modernização rápida do Estado. Nem isso. O Estado está demasiado desorganizado para aproveitar o dinheiro que tem. Para ser como está a ser, valia mais que tivessem desenhado um PRR virado para as empresas, aproveitando a oportunidade de reindustrialização dada pelo reajustamento da globalização

Tal como insistiu em manter o Orçamento, insistiu em manter basicamente o Governo, “requentado” como lhe chamou o Presidente da República. Um Governo sem visão nem alma, cansado. E fomos assistindo a quedas sucessivas de governantes, a incidentes crescentes, entrecortados com anúncios de mais esta benesse, apoio ou subsídio.

Chegámos agora ao caso Galamba, que nem podemos ter a esperança de ser o pináculo de toda esta sucessão de eventos improváveis e lamentáveis, uma vez que o Governo tem conseguido surpreender-nos sempre. Por muito impossível que pareça, pior ainda é possível.

Porque é que António Costa não quis demitir João Galamba, independentemente de concordar ou não com os argumentos do Presidente? Obviamente que o ministro das Infraestruturas está limitado e ferido na sua capacidade política, obviamente que a sua não demissão, contra a vontade explicita do Presidente, limita não apenas o ministro, mas todo o Governo, especialmente depois daquilo que Marcelo Rebelo de Sousa disse. Uma das hipóteses para a decisão de António Costa é querer fazer de João Galamba o escudo protector do Governo. Enquanto se ataca Galamba não se ataca mais ninguém e foi até o próprio primeiro-ministro que disse que vivemos uma sucessão de casos, em que o seguinte faz esquecer o anterior. O caso João Galamba, por exemplo, lançou para o esquecimento toda a controvérsia que envolvia Fernando Medina e a demissão da ex-presidente da TAP.

Mas o mais grave de tudo isto é a mensagem subjacente de desprezo pela governação e pelos efeitos que a sua decisão pode ter no regime. António Costa sabe que a partir de agora não há margem para erros e, por isso, não há espaço para correr riscos. Mas governar a pensar na mudança, na prosperidade, é correr riscos, é fazer apostas de desenvolvimento, é enfrentar interesses instalados. Se até agora António Costa nenhum risco corria com as suas políticas, agora riscos nenhuns vai correr. O que não parece preocupar o primeiro-ministro.

Como não parece preocupar o primeiro-ministro, nem este PS que está no poder, o contributo que está a dar para o crescimento dos populismos. Parece até satisfeito, já que enquanto o Chega estiver a crescer, o PS pode ter uma certa garantia de poder perpétuo. Até porque o PSD não está a conseguir desarmadilhar a ratoeira em que os socialistas o meteram. O que os socialistas querem é que os portugueses pensem que a escolha está entre o PS ou o Chega, enquanto tudo faz para que as intenções de voto em André Ventura cresçam.

Infelizmente temos de concluir que António Costa é um político para conquistar e manter o poder, usando todos os meios que tiver ao seu dispor e sem qualquer tipo de preocupação sobre os efeitos económicos, sociais e de regime dos seus actos. E assim vamos perder uma oportunidade única de desenvolvimento, oferecida pelo dinheiro europeu e pelo espaço para indústrias, aberto pelos reajustamentos geopolíticos. E assim vamos vendo a sociedade a radicalizar-se. Hoje, como nos últimos anos, temos um Governo que quer o poder pelo poder, sem saber como governar.