Não é preciso muito para explicar que o governo de Jair Bolsonaro é uma ameaça ao mundo todo. Basta olharmos para a Amazónia e, agora, também para a região do Pantanal no Centro-Oeste brasileiro. Não importa se o leitor se considera de esquerda ou de direita. Todos nós precisamos respirar e as florestas brasileiras são indispensáveis para a saúde do planeta.
Mas devo admitir que o discurso de Jair Bolsonaro na ONU, esta semana, me assustou bastante. Na realidade, quando acho que já perdi a capacidade de ficar perplexa perante as atitudes e declarações do governo brasileiro, sempre acabo por descobrir que se trata de uma fonte verdadeiramente inesgotável.
Mas a minha surpresa não é fruto de nenhuma das inverdades colocadas pelo presidente durante sua fala, pois já sabemos perfeitamente que a desinformação é exatamente a estratégia política adotada por esse governo, até levar a população à total exaustão mental. Quem não se lembra das desencontradas informações sobre o presidente estar ou não estar contaminado pela Covid?
Como mencionei, as mentiras sustentadas no discurso (sobre o valor do auxílio pago aos cidadãos na pandemia, sobre as causas das queimadas nas florestas brasileiras, sobre a suposta proteção a povos indígenas, sobre a gravidade da situação da Covid-19 no Brasil, sobre a responsabilidade dos governantes das unidades federativas e municípios pelas más decisões para a contenção da pandemia), embora deixem a mim e a tantos outros brasileiros transtornados, não me causam surpresa. O que me surpreendeu dessa vez foi o tom mais ameno escolhido para o discurso.
A truculência, a total falta de educação e de postura do governo Bolsonaro sempre deixaram boa parte da população brasileira constrangida. Mas, por outro lado, elas acabavam por evidenciar ao mundo que governo era aquele, com suas ameaças a jornalistas, palavras inapropriadas, desrespeito por outros dirigentes e total descaso com a comunidade internacional. Bem ou mal, as coisas ficavam claras: aquele é o nosso governo, irresponsável e agressivo.
Mas, nesse último discurso, Bolsonaro adotou – obviamente de forma propositada e arquitetada – um tom muito menos belicoso, com uma aparência teoricamente mais apaziguadora, dando satisfações sobre a situação brasileira de um lugar muito diferente daquele ao qual estávamos habituados. A agressividade pareceu dar lugar a uma postura vitimista, ao afirmar que o seu governo sofre com ataques de desinformação quando o que ocorre é exatamente o oposto.
O que mais preocupa é que, sendo um discurso internacional, as palavras falsas acompanhadas de uma suposta mudança de postura possam, de alguma maneira, levar pessoas ao redor do mundo a pensar que algo mudou. Que o governo brasileiro tornou-se menos ameaçador para a comunidade internacional, menos desrespeitoso para com a democracia e menos danoso para o Brasil.
Trata-se de um verdadeiro desmanche. A desregulamentação das normas ambientais, favorecendo o desmatamento e, consequentemente, viabilizando as queimadas. O desrespeito latente pelos direitos humanos e pelos compromissos internacionais. As afrontas constantes aos Estado Democrático de Direito, as inúmeras transações obscuras e inexplicáveis para favorecer certos grupos. Não se enganem. Nada mudou. Nada vai bem. Acreditar em alguma palavra ou intenção daquele discurso é uma verdadeira armadilha.