1 Portugal vai estar este ano como naqueles jogos em que após se ter progredido bastante (nas condições de vida, no emprego, no desendividamento público e privado, nas contas públicas, etc.) se cai várias casas abaixo, embora não para a casa de partida. Estamos no início de um novo ciclo cujo ponto de partida será a recessão profunda ditada pela Covid-19, e em que o apoio da União Europeia poderá ser uma grande oportunidade aproveitada, … ou perdida. Neste ano 2020 serão batidos recordes históricos, na recessão e no peso da dívida pública no PIB, e agravar-se-á significativamente o défice público, o desemprego e a pobreza. Nestas duas primeiras  décadas deste século Portugal, em média anual, praticamente não cresceu. Poderemos estar no início de uma nova caminhada interessante, se for em linha com os desígnios europeus do pacto ecológico.  Para isso é necessária uma estratégia económica, social e ambiental coerente, instituições adequadas e estáveis que a sustentem durante um período longo, e políticas públicas alinhadas com essa estratégia. É neste contexto que se insere a escolha, acertada, de António Costa e Silva para dar um contributo. Aquilo que conheço de Costa e Silva resulta de artigos de jornal ou entrevistas que deu e devo dizer que gostei do que li e ouvi. Realço apenas duas ideias importantes.

2 Em entrevista à TSF refere um livro que considera crucial – “Porque falham as Nações” (Acemoglu e Robinson) – a que também já me referi nestas crónicas. Este livro condensa o pensamento de centenas de economistas (incluindo cinco prémios Nobel), do Banco Mundial e outras instituições multilaterais de que o recurso essencial para o desenvolvimento são boas instituições e boas políticas e não a abundância de recursos naturais, que podem até tornar-se um problema. Costa e Silva é simpático para Portugal dizendo que as nossas instituições são boas. Aqui é que divergimos, ligeiramente, pois considero que são razoáveis, mas não boas. A justiça é morosa demais, o processo orçamental é complexo demais, a corrupção não tem propriamente mecanismos adequados de controle e o Estado é genericamente fraco. Tem decaído a qualificação dos seus servidores, o que tem acontecido pela desestruturação do Instituto Nacional de Administração e a extinção do Curso de Estudos Avançados em Gestão Pública. Tem decaído o pensamento estratégico dada a extinção de uma sólida entidade que pensava em termos estratégicos: o Departamento de Prospetiva e Planeamento (DPP) por onde passaram ilustres economistas como João Ferreira do Amaral ou Félix Ribeiro. A reforma do Estado operada pelo PRACE em 2007, num governo PS, criou Gabinetes de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais (GPEARI) em vários ministérios. O que é certo é que estes GPEARI têm produzido informação estatística relevante, mas não têm conseguido produzir um pensamento estratégico (mesmo sectorial) para o país e daí a necessidade sentida de recorrer fora a especialistas.  Sem reforço de qualificações dos trabalhadores em funções públicas, estabilidade organizacional do Estado e alguma estabilidade laboral, não se consegue que haja um papel relevante do Estado, a par dos privados, numa estratégia de desenvolvimento económico. O recurso a Costa e Silva reflete a fraqueza do Estado. Um dos seus contributos principais será criar condições para que, no futuro, haja quem, no Estado, pense estrategicamente o país.

3 Uma outra ideia de Costa e Silva que corroboro plenamente é quando diz, referindo-se aos fundos europeus que tem de haver um grande escrutínio público da sua utilização numa espécie de portal na Administração Pública onde toda a gente possa escrutinar para onde é que os fundos vão e para se tirar deles o melhor partido. Portugal vai receber nos próximos anos um montante muito significativo de fundos europeus. As palavras-chave em relação ao seu uso são transparência e accountability. O Portal BASE da contratação pública foi um avanço extraordinário no reforço da transparência da contratação. É essencial dar também esse passo na área dos investimentos públicos financiados com fundos comunitários. Estas são apenas duas de entre várias ideias interessantes que fazem com que o resultado do trabalho de Costa e Silva, clarificado no despacho de nomeação, mereça ser público, discutido, melhorado e implementado. Não é fácil, mas vale a pena tentar.

4 Este país é rápido a desconfiar ou a desqualificar pessoas que surgem perto da esfera política, sobretudo quando se trata desses terríveis independentes. Digamos que a forma como a escolha de Costa e Silva foi anunciada foi atabalhoada e incorreta, na medida em que sugeria que iria reunir diretamente com os partidos políticos, ou seja ter funções institucionais. Estes apressaram-se a dizer que não reuniriam com Costa e Silva, mas apenas com membros do governo, nomeadamente com ministros. Curiosamente, foi Rui Rio que em entrevista encontrou logo uma solução para o imbróglio, sugerindo que fala com ministros e que, nessas eventuais reuniões, estes podem estar acompanhados …pelo Engenheiro Costa e Silva. Óbvio e simples e é isso que faz sentido que seja feito.

5 Ao mesmo tempo que entra em cena Costa e Silva sai, numa saída mais que prevista mesmo que pouco anunciada, Mário Centeno. Também aqui proliferam as teorias da conspiração, as interrogações e, nalguns casos, os louvores, noutros as críticas de que tenha deixado as finanças neste momento difícil do país. A estes não lhes ocorre ideias simples de como tudo começou, com um convite a um grupo de economistas, e a um jurista, para elaborar um cenário macroeconómico. Muitas destas pessoas, tinham já um percurso académico e não eram, nem queriam tornar-se, políticos profissionais, mas apenas contribuir para uma alternativa política económica e orçamental progressista. Mais tarde surgiu o convite para integrar as listas de deputados do PS, e vários foram para o governo, outros ficaram no parlamento, outro para uma empresa pública, outros regressaram à Universidade. O compromisso político assumido foi, para os que não voltaram imediatamente à academia, uma legislatura. Esse compromisso foi assinado por todos nós ao decidirmos integrar as listas de deputados. Tudo o que o ultrapassou foi já um extra. As funções executivas, no governo, são de um desgaste, stress e tensão muito grandes. António Costa sabe-o melhor que ninguém, mas tem a tarimba de quem começou na política aos 14 anos. Obviamente que um académico que é, ou está, político, durante um período, sujeito a semelhantes pressões, mas que não quer uma carreira política, sempre considera que as suas funções políticas têm um início, um meio e um fim. Às vezes há quem se esqueça que estamos a falar de pessoas, não de máquinas, a quem se pede para “funcionar” o tempo que for preciso.

João Leão é a melhor escolha para substituir Mário Centeno pois, responsável já por cinco orçamentos, dará continuidade à política orçamental. Mas não será Centeno, será Leão.

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