1 Não aprendemos nada. Confinamos, desconfinamos, voltamos a confinar, avançamos para o levantamento de restrições, recuamos novamente para a obrigatoriedade de estar em casa e demos, de seguida, um passo em frente com a esperança de que fosse a última vez. Os erros sucedem-se — e, de forma absolutamente extraordinária, são sempre os mesmos!

Ouvimos a mesma lenga-lenga desde há um ano e meio: testa-se pouco, logo não se consegue quebrar as cadeias de transmissão; temos poucos rastreadores, portanto não conseguimos identificar as cadeias de transmissão para isolar os infetados e impedir a transmissão comunitária; e sequenciamos pouco o vírus, logo não temos informação em tempo útil sobre as diferentes variantes.

Mas, afinal, o Orçamento de Estado não tem um deficit colossal para que o Governo invista a sério e de forma urgente (desde março de 2020) na contratação de recursos humanos e técnicos para a área da saúde pública?

2 Pior que tudo: em um ano e meio de pandemia, as autoridades chegaram sempre tarde e a más horas aos principais eventos. Desde a incapacidade do Governo e de a diretora-geral de Saúde de preverem a chegada do vírus a Portugal — completamente confrangedor, como se pode ver aqui — passando pelo primeiro desconfinamento mal organizado em maio de 2020 que levou Portugal para a lista vermelha do Reino Unido (como em junho último) ou pela forma verdadeiramente extraordinária como foram permitidos os festejos (totalmente previsíveis) do Sporting em maio último.

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Lembra-se da rábula da variante inglesa em dezembro de 2020?  Foi identificada a 14 de dezembro de 2020 como tendo um grau de infeciosidade muito superior a outras variantes então conhecidas mas António Costa avançou à mesma para o relaxamento das regras do Natal, com os resultados que se conhecem: morreram mais de 3.500 pessoas em apenas 23 dias, três vezes mais do que a média mensal desde março de 2020.

De quem foi a culpa? Do Governo é que não foi, de certeza! — diria o homem do balcão.

Com a variante delta repete-se a história da variante inglesa. Como jornalista Filipe Santos Costa recordou na sua newsletter “Novo Normal” (Eco), o Financial Times revelou dados da plataforma GISADI que apontavam para uma prevalência da variante Delta na Grande Lisboa em redor dos 96%. Independentemente do Instituto Ricardo Jorge apenas ter detetado uma prevalência de 56% num relatório publicado na última 6.ª feira, uma vez mais o Governo perdeu imenso tempo a tomar decisões e avançar para o combate.

Não só não agiu em tempo útil para impedir a transmissão comunitária que teve origem nos festejos do Sporting, como o já famoso relatório sobre as celebrações do novo campeão nacional de futebol ainda não é conhecido. Hoje a situação é esta.

3 O mais extraordinário, contudo, é que Costa insiste em limitar a liberdade de circulação dos cidadãos fora do âmbito do Estado de Emergência. Perante a constatação quase unânime da comunidade jurídica sobre a inconstitucionalidade promovida pelo Conselho de Ministros — com a consequente ilegalidade das pesadas multas previstas pelo Governo —, assistimos a um (novo) momento Gato Fedorento do Executivo.

Primeiro, o texto da resolução do Conselho de Ministros que quer impor o recolher obrigatório a partir das 23h nos concelhos com uma situação pandémica muito perigosa transformou a “proibição” antes anunciada em dever ou apelo. Depois, entrou em cena o secretário de Estado Tiago Antunes para esclarecer que “dever e obrigação, em linguagem jurídica, são sinónimos”. Importa-se de repetir, sff?

Independentemente dos malabarismos retóricos que Costa encomendou ao seu braço direito no Governo, certo é que muitos constitucionalistas mantém as suas críticas sobre a ilegalidade de tais normas.

Lembra-se o caro leitor quanto Costa e os seus amigos de extrema-esquerda enchiam a boca com acusações indignadas de que o Executivo Passos Coelho “governava contra a Constituição”? Suprema hipocrisia política de António Costa perante um silêncio cúmplice (e muito envergonhado) dos sempre histriónicos Bloco de Esquerda e do PCP em defesa da tão amada Constituição.

O mais censurável, contudo, é que só agora, um ano e meio depois de se ter constatado que a lei precisava de ser mudada para acolher situações de catástrofe, é que o Governo finalmente agiu, nomeando uma comissão para estudar o assunto. Repito: com um ano e meio de atraso.

4 Como se não bastasse a crise pandémica, tínhamos de terminar com um ataque claro à autoridade do primeiro-ministro e logo vindo do seu n.º 2 no Governo. Na semana em que os rumores de uma possível remodelação animaram meia Lisboa, com os nomes dos ministros remodeláveis a serem facilmente identificáveis, Augusto Santos Silva não achou nada melhor do que tentar forçar a saída do Governo com uma entrevista ao Expresso, confessando o seu desejo de voltar a dar aulas, caso o “PS me permita voltar à minha profissão”.

António Costa, que é o PS, não achou grande piada e mandou o recado via Público: “não há remodelações no horizonte”.

Portanto, o primeiro-ministro acha que consegue levar o seu Governo até ao final do ano com um ministro da Administração Interna sem um grama de autoridade (Eduardo Cabrita), e logo quando estamos na véspera dos fogos florestais, com ministros muito desgastados (Marta Temido e Brandão Rodrigues) e um n.º 2 do Governo que confessa em público estar desejoso de regressar à Universidade. É obra!

Ou muito me engano ou Costa vai arrepender-se de não ter feito uma remodelação antes de levar um cartão amarelo nas autárquicas por parte dos eleitores.

5 E onde está o líder da oposição Rui Rio no meio de tanta incompetência do Governo de António Costa? A discutir se o carro do acidente que vitimou um trabalhador, e onde seguia o ministro da Administração Interna, pertence ou não pertence ao Estado. E se a lei portuguesa de recuperação de ativos é ou não excessiva. Como se vê, tem tudo a ver.

Não sei, francamente, o que é pior: se o estado do Governo de António Costa, se o estado do PSD de Rui Rio. Como não sou um otimista irritante, venha o diabo e escolha.