Não há ventos de feição para quem não sabe para onde quer ir. E, no polémico dossier dos professores e do tempo congelado da sua carreira, a direita nunca soube para onde queria ir. Quem acompanha o debate público da educação sabe que a indefinição não começou agora, nem resultou da crise política artificialmente criada pelo primeiro-ministro. Começou na ausência de pensamento e de um projecto político – pelo menos desde 2018. Custa admiti-lo, mas é preciso dizê-lo: se PSD e CDS não sabem quem representam nem que ideais defendem, então também fazem pouca falta.
Neste tema dos professores, há quase dois anos que PSD e CDS navegam às apalpadelas e tentam ficar bem com todos. Por um lado, quiseram satisfazer a reivindicação principal dos professores, reconhecendo a obrigatoriedade de o Estado recuperar o tempo integral do congelamento (9 anos, 4 meses e 2 dias). Por outro lado, impuseram condições para a negociação dos termos da compensação, nomeadamente exigindo equilíbrio das contas públicas e reformas estruturais. Ora, com ou sem crise política, o imperdoável perdura na raiz das próprias propostas da direita: esta posição de PSD e CDS está estruturalmente errada no reconhecimento do tempo congelado e apoia-se num cinismo táctico inaceitável. Cinismo por causa disto: a conjugação de todas essas condições (crescimento económico sustentado, nova estrutura de carreira dos professores e novo modelo de avaliação docente) é de tal modo improvável que, se a proposta fosse mesmo para cumprir à letra, ficaria garantido que nunca os professores seriam compensados pelo tempo de carreira congelado. E se um governo negociasse a compensação fora desses termos seria, então, criticado por fazê-lo de forma irresponsável. Foi nessa ambiguidade que PSD e CDS se refugiaram.
Esse cinismo táctico enquadrou e procurou disfarçar o erro inicial – o reconhecimento dos 9 anos, 4 meses e 2 dias. Sim, as expectativas dos professores são legítimas e, sim, existem formas de reduzir o impacto orçamental da compensação nas suas carreiras (por exemplo, David Justino apresenta aqui algumas). Mas o erro não está aí, é mesmo de princípio. Não, a direita não pode fingir que há dinheiro para os “direitos adquiridos” de todas as classes profissionais e que é possível apagar os sacrifícios de uns (no sector público) mas manter os de outros (no sector privado). Não, a direita não pode ceder às tentações eleitoralistas que seguem a agenda da Fenprof e antecipam para 2019 pagamentos aos professores previstos gradualmente até 2021. Não, a direita não se pode aliar a Mário Nogueira, porque este é um inimigo da Educação. Não, a direita não se pode esquecer daqueles que tem o dever de representar e defender contra a submissão às clientelas encostadas ao Estado. Quando PSD e CDS aceitam contabilizar os tais 9 anos, 4 meses e 2 dias do congelamento das carreiras (mesmo que com “condições”), estão a esquecer tudo isto. Isto é, estão a romper com os ideais que orientaram a sua acção política nos últimos anos e a trair o seu eleitorado.
Houve um tempo em que a direita sabia tudo isto e tinha a coragem de dar a cara por estes ideais. E não foi assim há tanto tempo. Em Novembro de 2017, por exemplo, o debate partidário estava invertido e era o PS que, cínica e tacticamente, aflorava a possibilidade de contabilizar integralmente o tempo de carreira congelado aos professores. À direita, foi a voz de Passos Coelho que se ouviu alertar para o erro e explicar que esse deveria ser um assunto arrumado: o risco orçamental era demasiado elevado, seria impossível estancar o contágio a outras classes profissionais e, de resto, os termos com que o PS determinou o congelamento das carreiras (em 2010) eram claros quanto ao facto de o tempo então congelado não ser futuramente contabilizado. Em Dezembro desse ano, a esquerda (PS, BE, PCP, PEV, PAN) votou a favor de um projecto de resolução que defendia a contagem integral dos 9 anos, 4 meses e 2 dias – PSD e CDS abstiveram-se. Hoje, como se viu, tanto o PS como PSD e CDS estão em pólos opostos aos que estavam há menos de dois anos. Como sempre acontece quando se navega sem rumo definido, tudo culminou na cedência às conveniências tácticas do momento.
Convém, por isso, colocar tudo em perspectiva. Tem-se discutido, nestes últimos dias, se houve ou não um recuo de PSD e CDS no sentido das suas votações do projecto de lei actualmente em discussão. Ora, não é esse o recuo que interessa avaliar. A pergunta que importa é se, desde 2018 e, concretamente, desde a eleição de Rui Rio no PSD, a direita recuou na representação dos ideais que a definem desde 2011. Este episódio com os professores parece indicar que sim, que esse recuo existiu. E o que resulta desta resposta é um grande vazio de representação política, à espera que alguém o preencha.