Saídos de uma estrondosa derrota eleitoral, PSD e CDS analisaram os resultados e garantem que deles souberam retirar as devidas lições. O que concluíram então? No PSD, considera-se que é preciso passar a mensagem aos eleitores “até à exaustão” – como quem acredita que a escassez de votos teve raiz em falhas de comunicação. No CDS, a estratégia consiste agora em abandonar o discurso ideológico (e mais conservador) da campanha de Nuno Melo e adoptar um estilo mais pragmático de propostas concretas. Ora, ambos falham no diagnóstico. O problema do PSD não está na comunicação da mensagem, mas na ausência de uma mensagem. O problema do CDS não começou na campanha de Nuno Melo às europeias, mas há dois anos quando fixou o objectivo de liderar a direita portuguesa sem exibir um projecto político para o país. Ou seja, PSD e CDS sofrem de um mal comum: pedem votos mas não oferecem uma resposta à pergunta fundamental – quem é que PSD e CDS representam e que visão defendem para o país? É este o ponto onde Rui Rio e Assunção Cristas estão a falhar: antes de ser eleitoral, o vazio da direita é intelectual, cultural e político.

Recuemos 10 anos. Em 2009, a crise internacional e os erros do governo PS na promoção de mais endividamento do Estado afundaram as contas públicas. Nessa altura, PSD e CDS assumiram-se como os bastiões de reformas estruturais da economia, no sentido de prevenir que Portugal caísse no buraco negro da bancarrota. Mais: a direita propôs libertar a sociedade portuguesa do plano de domínio encabeçado por Sócrates. Sim, ambos os objectivos falharam porque PSD e CDS perderam as eleições legislativas desse ano. Mas, apesar da derrota, construíram o projecto político que guiou a sua actuação nos dois anos seguintes e com o qual se apresentaram a votos em 2011, nessa altura já com o debate temperado pelas propostas liberais de Passos Coelho (publicadas em livro). Gostasse-se dele ou não, existia um projecto político perceptível.

Nos anos de governo PSD-CDS (2011-2015), foi naturalmente esse projecto político que enquadrou o posicionamento da direita parlamentar – com virtudes e com erros próprios de quem governa num contexto tão ingrato quanto aquele. Foi também esse projecto político que deu substância à coligação “Portugal à Frente”, que venceu as eleições legislativas (2015) contra as expectativas gerais. E, por fim, foi esse projecto político que forçou a esquerda (no limiar da sobrevivência) a forjar uma improvável geringonça – que desse poder ao PS, que travasse privatizações e que salvasse os sindicatos do PCP.

Hoje, em 2019, esse projecto político está esgotado. Sucumbiu há dois anos quando, através de Mário Centeno, o governo PS vestiu a camisola do Eurogrupo, das contas certas e dos défices baixos. Não que o projecto fosse apenas isso, mas a trave-mestra do discurso de PSD e CDS foi absorvida pelo governo. E, portanto, desde 2017, PSD e CDS deixaram de ter uma oferta estruturalmente diferenciadora, ficando sem guião – não só nada de concreto têm a dizer ao seu eleitorado como a sua própria actuação deixou de estar enquadrada por alguma coerência. O desnorte no caso da reposição do tempo congelado nas carreiras dos professores foi a prova mais espectacular: PSD e CDS fizeram um cálculo táctico errado, sim, mas que só foi concebível na cabeça das suas lideranças porque, precisamente, não existe uma orientação política que estabeleça um rumo e linhas vermelhas. Afinal, só anda aos ziguezagues quem não se sabe para onde quer ir.

Esse vazio de projecto político já não tem como ser preenchido a tempo de ir a votos. Mas é agora, a 4 meses das eleições legislativas, que PSD e CDS terão de decidir como pretendem sair da noite eleitoral de Outubro e em que condições farão essa necessária refundação da direita: sozinhos e derrotados, ou juntos e, eventualmente, vitoriosos? Porque é possível repetir o resultado eleitoral de 2015: vencer e pressionar o PS a formar uma coligação de derrotados (como a geringonça o é). Porque, no curto prazo, uma união das direitas seria uma prova de vida e a forma mais eficaz de mobilizar o eleitorado – não será com propostas sectoriais avulsas, mesmo que interessantes, que a direita se irá reabilitar. E porque uma grande coligação estabeleceria a base política para a refundação que ocupará a direita a partir de 2020 – uma reflexão que só fará sentido se envolver todos, dos sociais-democratas aos centristas, dos conservadores aos liberais. É esta grande coligação um cenário muito improvável no actual contexto? Sem dúvida que sim. Mas são momentos como estes, em que o caminho certo é o mais arrojado, que definem as lideranças. Estarão Rui Rio e Assunção Cristas à altura?

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