Ao longo do séc. XX, especialmente na Europa, fossem maioritariamente socialistas ou conservadores, talvez com a excepção de Margaret Thatcher, os governos foram alargando – em nome das “preocupações sociais” – o seu nível de intervenção na sociedade com o incremento da sua tutela nas áreas que desde sempre e ainda hoje, não são do domínio do Estado, mas das pessoas individualmente consideradas. O conceito de pessoa foi sendo progressivamente substituído e mesmo confundido com o conceito de sociedade. Esta doutrina sociológica – é mesmo disso que se trata – permite as mais variadas manipulações.

Seria nos dias hoje inaceitável, que um Governo apenas integrasse ministérios que tutelassem a Justiça, as Polícias, as Finanças, a Defesa e os Negócios Estrangeiros, como acontecia antigamente. Em termos civilizacionais, já é inconcebível que o Governo não tutele com a dimensão de Ministério, a Segurança Social, a Saúde, a Educação e, mais recentemente, o Ambiente. Mas já é profundamente questionável (claro que esta opinião é ideológica) a necessidade de existir com o nível de Ministério, a tutela de actividades como o Comércio, a Economia, a Agricultura, o Turismo, as Pescas e até a Cultura. E esta panóplia de ministérios é corrente existir, quer em governos socialistas, quer em governos conservadores, o que significa que, por muito democrático que o sistema seja, como eleitores só poderemos escolher uma coisa ou outra igual.

Com todo este intervencionismo, que mais do que o seu próprio custo, tem o custo das decisões que se tomam, cumpre perguntar até onde pode ir, numa democracia, o poder dos governos? A julgarmos pelos casos do BES e da TAP, parece que pode ir até onde entender, desde que a Comissão Europeia (por sinal, não eleita por ninguém) assim o permita.

No caso do BES, a resolução irá custar, no mínimo, mais de dez mil milhões de euros. Explicação oficial: com a liquidação do banco o custo seria muito maior e provocaria riscos sistémicos. Pergunta nunca respondida: qual seria realmente o custo dessa liquidação, ou seja, vender o património do banco, pagar com isso os montantes dos depósitos dos clientes e no que faltasse, então o Estado colocava o restante dinheiro, inevitavelmente à custa de todos os contribuintes, depositantes ou não. Parece uma medida que seria compreendida e aceite por todos os Portugueses e não se vê qual o risco sistémico, se todas as pessoas teriam sido ressarcidas. Fica por explicar, está claro.

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No que se refere à TAP, o caso, então, é de uma opacidade total. A TAP é uma companhia que quase sempre teve prejuízos. Foi uma empresa em que houvesse prejuízos ou não, o nível remuneratório dos seus trabalhadores era superior à média das mais lucrativas empresas privadas nacionais. Diz o Governo que manter a TAP – custe o que custar, pelos vistos – é um “interesse estratégico nacional”.  De certo modo, os aviões da TAP, com a bandeira portuguesa na fuselagem, aparecem agora como algo parecido com a compra e manutenção dos submarinos, fragatas e aviões F-16.  É óbvio que pagamos, e bem caro, o equipamento militar das Forças Armadas e também com os impostos. Mas sendo Portugal um país independente, seria um pouco ridículo pedir um F-16 emprestado a Espanha para interceptar alguém que invada o nosso espaço aéreo, ou uma fragata para patrulhar a nossa extensa área marítima. Por isso, o custo da existência de meios de defesa, não é para a maioria da população contribuinte uma questão controversa.

Mas para os Portugueses, emigrantes incluídos, poderem viajar, ou para os hoteleiros trazerem turistas para Portugal sempre existem a Ibéria, a KLM, a Lufthansa, a Air France, etc. e outras empresas aéreas portuguesas, que entretanto surgiriam, já não falando nas low cost.

O sr. Michael O’ Leary, presidente da Ryanair (não propriamente o mais recomendável dos empresários, é certo) tem interposto várias acções nos tribunais para tentar impedir o Governo português de continuar a injectar dinheiro dos contribuintes portugueses na TAP. Claro que o sr. O’ Leary, apenas pensa em ficar com as rotas e os slots da TAP, sendo o dinheiro dos contribuintes portugueses o assunto que menos lhe tira o sono, mas o que não deixa de ser também um facto, é que o Sr. O’ Leary está a dizer alto, o que todos estamos a dizer baixinho: a TAP já está a ser o nosso próximo Novo Banco.

A estes ataques do Sr. O’ Leary, responde o Ministro das Infraestruturas – o interlocutor da TAP com o sr. O’ Leary – que a Ryanair é uma empresa privada e não tem de interferir nas decisões soberanas tomadas pelo Governo. E nisso tem razão, quanto ao sr. O’ Leary. Mas para quem não é dono da Ryanair, nem irlandês, sempre seria útil que o Ministério das Infraestruturas, explicasse o seguinte: atendendo que neste caso da TAP não há problemas sistémicos, nem dinheiro a pagar a depositantes, qual o montante até ao qual o Governo está disposto a ir para manter a TAP? Admitindo que a decisão do Governo não tem a infalibilidade das encíclicas do Papa e que o Governo está limitado às receitas do Orçamento do Estado, de onde é que se pensa retirar o dinheiro injectado na TAP? Retira-se do orçamento de outros ministérios ou aumentam-se os impostos? Era útil que fosse respondido. É que, por enquanto, a ideologia ainda não é de borla.