António Costa herdou um país com boa parte das correções financeiras e económicas, que mais votos tiram, realizadas. Pedro Passos Coelho conseguiu colocar o país numa trajetória de crescimento financeiramente mais equilibrada, podendo apenas dizer-se que deixou alguns bancos, nomeadamente o Banif e a CGG, com problemas por resolver. E que Costa resolveu, melhor na CGD e pior no Banif. Mas será sempre a Pedro Passos Coelho que se fica a dever a coragem de ter dito “não” a Ricardo Salgado e, claro, de ter adoptado algumas medidas que lhe custaram votos e a zanga dos pensionistas.
O ex-primeiro-ministro capitalizou com mestria a herança de Pedro Passos Coelho, mas por razões que não se conseguem entender, não acrescentou valor, não aumentou o crescimento potencial. O país está financeiramente mais equilibrado – a dívida total da economia diminuiu tal como a dívida pública – mas o estado do Estado é de colapso em praticamente todas as frentes. Como aliás várias vezes identificámos neste espaço, desde a primeira hora em que se percebeu que as contas públicas estavam a ser corrigidas à custa da depauperação dos serviços públicos.
O suporte que António Costa teve do PCP e do Bloco de Esquerda permitiram ir degradando os serviços públicos – ao mesmo tempo que se faziam juras pela sua defesa -, sem qualquer tipo de denuncia desses partidos ou mesmos das associações ou sindicatos. Agarrados ao poder, os partidos nada disseram, tal como os sindicatos. Com o medo de retaliações do Governo, as associações ficaram caladas. Até porque perceberam, desde o início da governação de António Costa, que a famosa frase de Jorge Coelho “quem se mete com o PS leva” ia ser levada ao seu limite, como foi.
É assim que chegamos à herança de Luís Montenegro, com reivindicações em todas as frentes num reflexo do estado a que chegaram os serviços públicos.
Na Educação o ministro Fernando Alexandre conseguiu pacificar rapidamente a relação com os professores através do acordo de recuperação do tempo de serviço.E tem colocado a si próprio desafios ambiciosos – como garantir a redução em 90% do número de alunos sem aulas logo no primeiro período. Também as ministras da Administração Interna e da Justiça conseguiram acordos importantes que trouxeram alguma paz à polícia e com os oficiais de justiça, embora neste caso mantendo-se alguma controvérsia.
É na Saúde que os desafios são maiores, com a ministra a enfrentar dificuldades quer em estabelecer um acordo com os representantes do sector, como em estabilizar a oferta de cuidados médicos, como se percebe pelo que está a acontecer nas urgências de obstetrícia. Claro que podemos sempre dizer que o problema da Saúde não se limita a Portugal, os outros países enfrentam igualmente dificuldades, como consequência do envelhecimento da população, da evolução de tecnologia e da falta de profissionais de Saúde. A questão é se não poderíamos estar melhor do que estamos, principalmente na relação do Estado com os médicos e enfermeiros e na abordagem da prestação de cuidados de saúde numa perspetiva de Sistema, usando todos os recursos em vez de se centrar a preocupação na propriedade pública ou privada.
A avaliação do um Governo nos seus primeiros tempos depende sempre mais daquilo que deixou o seu antecessor do que daquilo que está a fazer. E se em alguns casos os problemas herdados se resolvem com dinheiro – como é o caso dos acordos salariais -, naquilo que é fundamental isso não é possível. A desorganização e a desresponsabilização são difíceis de corrigir, exigem tempo e margem de manobra dada pelo poder.
Um governo minoritário, a gerir a governação para a qualquer momento ir a eleições e com uma oposição à espera da melhor oportunidade, não tem condições para resolver os problemas da herança recebida de António Costa. Há muitas medidas impopulares que têm de ser tomadas para reorganizar os serviços públicos. Luís Montenegro, se quiser reforçar a sua votação quando a oposição decidir que é tempo de voltar às urnas, não as vai seguramente adoptar.
Após quase oito anos em que praticamente nada se fez para melhor o funcionamento do Estado, vamos continuar a viver num fazer de conta que se faz alguma coisa importante, enquanto se adoptam apenas medidas que agradam a todos. A má herança de António Costa em pouco ou nada será corrigida. Perdemos a oportunidade da maioria absoluta e teremos de esperar que a próxima seja liderada por alguém mais reformista.
Nota da autora: Regresso a 27 de Agosto. Até lá, boas férias.