Um dos temas quentes de setembro é a 1ª fase das colocações na universidade. Este ano, em virtude das eleições autárquicas, que aconteceram no dia seguinte, acabou por passar despercebido aos mais distraídos. Dito isto, e tendo em consideração o impacto que tem em milhares de jovens e respetivas famílias, deve ser algo que não devemos minimizar.

Em termos muito gerais, as notícias realçaram dois ou três aspectos. Depois de se ter afirmado que este era o ano com maior número de candidatos desde 1996 ficamos a saber que foram colocados mais de 49 mil novos estudantes, sendo que apesar de ser o segundo ano com maior número de colocados na última década, 23% ficaram de fora. Ficámos também a saber que 50% dos candidatos ficaram na sua primeira opção e que 82% ficaram nas primeiras três. Relativamente à instituição de ensino, 30.030 alunos entraram em universidades e 19.422 em institutos politécnicos.

Olhando para os detalhes das médias, o que salta à vista é que os cursos com as médias mais altas são tipicamente os de Medicina e as Engenharias, sendo que o curso de Engenharia Aeroespacial do Instituto Superior Técnico está no topo da lista.

Neste ponto gostaria de referir algo que, sendo óbvio, nem sempre é tido em consideração nas análises. As médias de entrada resultam da conjugação de dois factores, das médias dos candidatos e do número de vagas do curso.

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Na realidade, estas são as duas únicas variáveis que são tidas em conta quando se faz a análise das colocações nas universidades. Por me parecer extremamente redutor, fiz uma análise dos cursos com as 60 médias mais altas, tendo incluído as seguintes variáveis: número de candidatos, número de vagas, percentagem de colocados e nota mais alta de entrada.

Tendo em conta estas variáveis, observamos algumas surpresas.

1 Capacidade de atração

Os cursos com maior número de candidatos são Medicina na Faculdade de Lisboa, logo seguido de Psicologia no ISCTE. O 3º e 4º lugar são novamente ocupados por Medicina na Universidade da Beira Interior e Universidade Nova de Lisboa, sendo que o curso de Psicologia da Universidade do Porto ocupa a 5ª posição.

De seguida aparece o curso de Direito da Universidade do Porto, sendo que Direito na Universidade do Minho volta a aparecer na 8º posição,

O 10º lugar desta lista é ocupado por Ciência Política e Relações Internacionais na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova.

Do top 10 constam ainda Medicina na Universidade do Porto e Medicina na Universidade do Minho.

Olhando para os números desta forma, começamos a perceber que, para além de Medicina, existem outros cursos com procura muito elevada. De entre eles podemos destacar Direito e Psicologia, sendo que dois cursos de cada uma destas áreas ocupam um lugar no ranking dos dez primeiros cursos com mais candidatos.

E, se estivermos tentados a pensar que um número elevado de candidatos poderia implicar que se tratassem de segundas, terceiras ou mesmo sextas escolhas, os números não validam esta percepção. No caso de Psicologia no ISCTE, cerca de 70% dos alunos que entraram tinham colocado esta opção como primeira escolha. Já no caso de Psicologia no Porto, mais de 90% dos alunos queriam efetivamente frequentar este curso, sendo também o caso no curso de Ciência Política da Universidade Nova de Lisboa e de Direito no Porto.

Na realidade, olhando para o ranking com maior número de candidatos, o curso de Medicina da Universidade da Beira Interior é o que tem menos alunos que indicaram esta escola/curso como primeira opção.

É também de realçar que nenhum curso de engenharia se encontra no top 10 dos cursos com maior número de alunos, sendo que não será de excluir o impacto do elevado número de cursos da área de engenharia, o que conduz a uma maior dispersão de candidatos.

2 Escassez

Já quando olhamos para a percentagem de colocados versus candidatos, a lista é encabeçada por Psicologia no ISCTE. Neste curso apenas 4% dos candidatos conseguiram entrar. De notar que esta análise não significa que 96% de alunos ficaram fora da universidade, dado que poderão ter sido colocados num outro curso. Significa apenas que uma enorme percentagem de pessoas para quem este curso poderia ser uma opção não ficou colocado nele.

A juntar-se ao curso de Psicologia do ISCTE temos o curso de Psicologia da Universidade do Porto, que ocupa o 6º lugar desta lista.

Relativamente a Medicina, a Universidade da Madeira ocupa a 2ª posição com Ciclo Básico de Medicina, seguida dos Açores, também com Ciclo Básico de Medicina. A Universidade da Beira Interior é o único Mestrado Integrado de Medicina, encontrando-se na 6ª posição.

O terceiro curso da lista é Engenharia Aeroespacial na Universidade de Aveiro, a que se segue Design na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa.

Na sétima posição temos Bioquímica da Universidade Nova de Lisboa, seguida de Biotecnologia Medicinal na Escola Superior de Saúde no Instituto Politécnico do Porto. A fechar a lista temos Ciências da Nutrição da Universidade de Lisboa.

É digno de nota o facto de muitos destes cursos terem um número de vagas relativamente reduzido, o que faz com que o rácio seja bastante baixo. Na realidade, cinco desta lista de 10 cursos têm menos de 50 vagas, sendo que apenas dois têm mais de 100.

3 Os bons alunos provêm de todas as áreas

Fazendo uma análise dos cursos cujo primeiro colocado teve uma média entre 19.85 e 20, podemos concluir que existem bons alunos em todas as áreas.

Na área das Artes, temos o curso de Arquitectura da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, a que se juntam 2 cursos da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa: Design de Comunicação e Pintura, sendo digno de referência que 98% dos alunos colocados no curso de Design e Comunicação tinham este curso como primeira opção, sendo este valor de 96% no caso dos alunos colocados em Arquitectura no Porto.

Em Engenharia a lista é dominada pelo Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa e pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. No caso do Técnico, os cursos em que o primeiro colocado teve nota mais alta foram Engenharia Aeroespacial, Engenharia Física e Tecnológica, Matemática Aplicada e Computação. Já na universidade de Engenharia do Porto, foram Engenharia e Gestão Industrial, Bioengenharia e Engenharia Mecânica.

Nos cursos de Medicina temos o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e a Faculdade de Medicina, ambas da Universidade do Porto, assim como a Universidade do Minho. Ainda presentes nesta lista, temos o curso de Psicologia, o de Gestão e o de Línguas e Relações Internacionais, todos da Universidade do Porto.

Esta análise permite-nos concluir que os cursos de Belas-Artes e Engenharia, passando por Psicologia, Gestão ou Relações Internacionais, são todos de elevada procura por bons alunos. Quando limitamos a nossa análise apenas a alguns cursos, estamos a esquecer-nos da dificuldade que os alunos têm em entrar nos cursos de que gostariam, provenham eles de Ciências, Artes ou Humanidades.

Tendo em consideração as diferentes análises podemos concluir que, para além de Medicina, existem muitos outros cursos em que a entrada na universidade não é propriamente fácil. Concluímos também que existem cursos de várias áreas que são altamente atrativos para os candidatos e que muitos deles sofrem o desânimo de não conseguir entrar no seu curso de eleição.

É verdade que Medicina e algumas Engenharias continuam a ser cursos muito apetecíveis e onde é difícil entrar. Os alunos que o conseguem têm, sem dúvida, muito mérito. Dito isto, não podemos deixar de olhar para cursos como Psicologia, Direito, Arquitectura, Nutrição, Design de Comunicação, Pintura, Línguas e Relações Internacionais ou Biotecnologia, entre outros. Estes são cursos em que não é fácil entrar, quer porque a competição é muita, quer porque as vagas são manifestamente poucas.

Esta análise faz-nos também concluir que existem bons alunos em todas as áreas, e que se deverá questionar o estereótipo de que os jovens vão para Artes, ou Humanidades, com o objetivo único de fugir à matemática, ou que todos os bons alunos estão em Ciências!