Não é todos os dias que se vê uma religiosa, de hábito e véu, a discursar numa convenção republicana nos Estados Unidos da América. Mas aconteceu, no passado dia 26 de Agosto, quando a Irmã Deirdre Byrne interveio diante dos delegados que elegeram o actual presidente, Donald Trump, como candidato, pelo seu partido, à reeleição presidencial.

Muito antes de ter optado pela vida religiosa, ‘Dede’ Byrne foi cirurgiã e membro das forças armadas norte-americanas. A opção pela vida militar, como a própria explicou, ficou-se a dever a uma razão económica: o exército foi o emprego que encontrou para pagar as propinas do curso de medicina, que fez na prestigiada Universidade de Georgetown. Mas, o que começou por ser um mero expediente para pagar os seus estudos, acabou por se converter na sua profissão. Durante 29 anos foi médica e cirurgiã militar, tendo prestado serviço no Afeganistão e no Egipto.

Mas a Irmã Deirdre é, na realidade, uma globetrotter de hábito e cruz ao peito. Depois de muita oração e já com uma longa e muito rica experiência de vida, ‘Dede’ Byrne decidiu, em 2002, entrar na Community of the Little Workers of the Sacred Hearts of Jesus and Mary (Comunidade dos Pequenos Trabalhadores dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria), a congregação religiosa a que, desde então, pertence.

Já como consagrada, a vida da Irmã Deirdre tem sido tudo menos pacífica: ao serviço da sua congregação religiosa, vocacionada para o serviço dos pobres, dos doentes e dos refugiados, trabalhou no Haiti, no Sudão, no Quénia, no Iraque e em Washington DC. Sim, não só no terceiro mundo, mas também na capital da principal superpotência mundial, porque também aí há pobres e doentes. Aliando os seus conhecimentos e prática clínica aos propósitos de servir os mais desfavorecidos, Deirdre é, sem dúvida, uma mulher de armas ao serviço do próximo.

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Por razão da sua condição cristã e da espiritualidade religiosa, é avessa a tudo o que possa parecer autoelogio, ou propaganda. Por isso, a Irmã Deirdre teve que vencer a sua resistência pessoal para discursar na convenção republicana, onde não foi falar de si própria, nem da sua tão variada experiência pessoal, mas interceder pelos mais pobres dos pobres. Também Santa Teresa de Calcutá aproveitava sempre os fóruns para que era convidada, para defender os mais necessitados. Foi, portanto, por esta nobre causa que aceitou participar num evento marcadamente político e partidário. E ainda bem que o fez, embora escandalizando aqueles que, dentro e fora da Igreja católica, teriam preferido vê-la arredada de uma tribuna tão alheia ao seu pobre hábito religioso.

Como não podia deixar de ser, o seu testemunho foi a favor dos refugiados, nomeadamente as vítimas da guerra e da miséria: “estes refugiados partilham a mesma experiência comum. Foram todos marginalizados, considerados insignificantes, impotentes e sem voz”. Não deve ter sido fácil, pelo menos para alguns congressistas republicanos, ouvir estas palavras, em que há uma denúncia sub-reptícia das políticas de segregação étnica e racial, que alguns membros desse partido defendem.

Mais surpreendente foi, contudo, o que a Irmã Deidre depois acrescentou: “somos levados a pensar que os excluídos vivem para além das nossas fronteiras, mas a verdade é que o maior grupo de excluídos no mundo vive nos Estados Unidos da América. São os ainda não-nascidos. Como cristãos, sabemos que Jesus foi, inicialmente, um embrião no ventre de uma mãe não casada e que nasceu nove meses depois, na pobreza de uma gruta”. Maria não era solteira, mas as suas circunstâncias eram análogas às de quem o fosse, porque o seu marido, José, dando-se conta de que a sua mulher estava grávida de um filho que não era dele, decidiu repudiá-la secretamente, o que só não fez porque, entretanto, soube que Maria era mãe do Filho de Deus.

É preciso ter coragem para, na convenção republicana, responsabilizar publicamente os Estados Unidos da América por este silencioso holocausto, mesmo tendo o presidente mais pró-vida de toda a sua história. Assim o reconheceu, aliás, a Irmã Deirdre: “Donald Trump é o presidente mais pró-vida que a América jamais teve, porque defende a vida em todas as suas fases. A sua fé na santidade da vida transcende a política. O presidente Trump se oporá a Biden-Harris, a dupla presidencial mais anti-vida de sempre, que defende os horrores do aborto e do infantício no termo da gravidez. Graças à sua coragem e às suas convicções, o presidente Trump ganhou o apoio da comunidade pró-vida norte-americana. Tem igualmente consigo todos os crentes do país. Também aqui o apoiamos com a nossa arma preferida, o rosário”.

Mas, a defesa da vida não é apenas uma consequência da sua fé cristã, obviamente incompatível com a defesa do aborto, ou da eutanásia, porque, para a Irmã Deirdre, muito antes de ser uma opção religiosa, é uma exigência científica, a que está eticamente obrigada por razão da profissão que exerceu durante quase três décadas: “As leis definem o modo como concebemos a humanidade. Devemo-nos perguntar: que afirmamos quando invadimos o ventre materno, para desfazer uma vida inocente, impotente e sem voz?! Como médica, posso dizer, sem nenhuma hesitação, que a vida começa na concepção. Sei que esta afirmação pode ser difícil de aceitar para alguns, mas digo-o, porque não só sou a favor da vida, como sou a favor da vida eterna. Desejo que todos nós possamos, um dia, ir para o Céu.” Para além dos não-nascidos, principais vítimas do aborto, não se pode esquecer a multidão de pessoas que, por atentarem contra vidas humanas inocentes, comprometem seriamente a sua salvação eterna. Por isso, a Irmã Deirdre não é apenas pró-vida, mas… pró-vida eterna!

A Igreja católica, institucionalmente, não deve alinhar em campanhas presidenciais, nem partidárias. Mas nenhum cristão se pode desentender de uma causa maior, como é a defesa da vida humana, desde a concepção até à morte natural. Se calhar, os mesmos que injustamente censuram Pio XII por não ter sido mais veemente na condenação do nazismo, são os que agora quereriam silenciar a Irmã Deidre, como antes dela também quiseram calar Santa Teresa de Calcutá.
O mundo tem destas incoerências. Ninguém estranhou que um deputado do Bloco de Esquerda, que é o principal promotor da eutanásia, fosse dar, diante do altar de uma paróquia, o seu testemunho de ‘vida cristã’. Mas há quem rasgue as vestes por uma religiosa católica discursar, a favor da vida, na convenção que se propõe a reeleição do presidente mais pro-life da história dos Estados Unidos da América…