A semana que passou assistiu à maior queda nas bolsas desde a crise financeira de 2008. A expansão do coronavírus pode provocar uma epidemia global e, simultaneamente, uma crise económica. Se a queda das bolsas continuar, prejudicará as maiores empresas europeias, as de maior capitalização bolsista, e que são também as maiores empregadoras na Europa. Mas a crise não se limitará aos mercados financeiros. A globalização do vírus já está a afectar as cadeias de produção das maiores indústrias europeias. Por exemplo, a indústria automóvel europeia já está a sofrer, tal como os sectores do turismo e dos transportes. É provável que a Itália entre em recessão já este ano. Se o coronavírus continuar a crescer na China (onde a produção industrial é essencial para a economia europeia) e na Europa, as economias alemã e francesa poderão não resistir.
Num cenário de recessão na Europa, o que se poderá fazer? Em termos de política monetária, o BCE já não poderá fazer muito. As taxas de juros já atingiram mínimos históricos e a compra de obrigações soberanas não resolve a actual crise bolsista. Aliás, as obrigações soberanas são o refúgio dos investidores financeiros. Eventuais estímulos pelas autoridades norte-americanas poderiam também não ser suficientes. Seria necessário adoptar políticas de estímulo fiscal na Europa, sobretudo na Alemanha. O ministro das Finanças alemão propôs uma suspensão temporária da regra do limite das despesas orçamentais. Mas a proposta exige uma maioria de dois terços nas duas Câmaras alemãs, o que será muito difícil de acontecer. A CDU é contra a suspensão da regra orçamental e Merkel, neste momento, não parece ter a força política suficiente para obrigar o seu partido a mudar de posição. A fraqueza política do governo alemão não ajuda nada em caso de recessão europeia. O que fará a União Europeia com o governo da sua maior economia paralisado? Pouco ou nada.
Além da crise do vírus e de uma possível crise económica, poderá estar a começar uma nova crise migratória na Europa. Há neste momento, um confronto militar indirecto entre a Turquia e a Rússia na Síria. Isolado, Erdogan não poderá enfrentar directamente Putin e terá que recuar. Moscovo está a mostrar quem manda no país de Assad e Ancara terá que aceitar a realidade do poder no país vizinho. O mais provável será Putin permitir uma solução que não humilhe Erdogan, o que não interessa à Rússia, mas que obrigue as tropas turcas a retirarem para as suas fronteiras.
Internamente, Erdogan está sob uma enorme pressão, por causa da oposição da maioria da população turca contra a presença dos refugiados turcos. O Presidente turco está numa posição mais frágil do que parece, sobretudo depois das eleições municipais (nas quais perdeu em nove das maiores dez cidades turcas), e depois de dois antigos ministros terem abandonado o seu partido para formarem novas forças políticas.
Para responder à ofensiva militar russa na Síria e à pressão política interna, Erdogan denunciou o acordo com a União Europeia para manter os refugiados no seu país. Já abriu as fronteiras com a Grécia. Simultaneamente, o agravamento da guerra na Líbia (onde mais uma vez russos e turcos combatem em lados diferentes), também pode contribuir para uma nova crise migratória na Europa.
Na maioria dos países europeus, as classes médias ainda não recuperaram da última crise económica. O nacionalismo e os partidos nacionalistas crescem por todo o lado, sobretudo nos maiores países europeus. Com a Alemanha a enfrentar uma crise política séria, e com um governo paralisado, o crescimento do coronavírus e uma nova vaga de refugiados constituem uma mistura explosiva para a política europeia.
Merkel só deverá continuar à frente do governo alemão até ao fim deste ano (e mesmo isso não é seguro). Se houver uma dupla crise económica e de refugiados em 2020, os governos de Itália e de Espanha não resistirão. Estão ambos assentes em coligações muito frágeis. Prevejo, de resto, eleições antecipadas nos três países (Alemanha, Espanha e Itália) durante o ano de 2021. Os resultados dessas eleições serão decisivos para o futuro da União Europeia.
Esperemos que o governo e os diplomatas portugueses se estejam a preparar devidamente. A presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, na primeira metade do próximo ano, será provavelmente a mais difícil de todas desde que o nosso país aderiu à velha CEE.